Por Clara Machado
As tartarugas de águas doce representam um recurso muito apreciado na culinária Amazônica desde tempos anteriores à chegada dos europeus no continente sul-americano. Devido à alta exploração no século passado, as tartarugas tiveram suas populações drasticamente reduzidas. A conservação de base comunitária de quelônios é uma importante estratégia adotada por comunidades rurais na Amazônia para proteger a superexploração que esses animais sofrem, devido à caça e coleta dos ovos, principalmente para servir de alimento. No período de seca dos rios, que dura aproximadamente cinco meses, formam-se praias nas curvas dos rios, onde as diferentes espécies de tartarugas depositam seus ovos. É neste período que a ameaça da caça e coleta dos ovos se intensifica, por isso, a conservação de base comunitária consiste na vigília de algumas dessas praias. A vigília é feita por moradores de comunidades próximas, que, incansavelmente, passam a noite nas praias inibindo a visita de caçadores e garantindo a proteção eficaz dos ninhos de quelônios.
Este trabalho, muitas vezes ainda realizado sem apoio financeiro, gera benefícios para muito além das tartarugas. O estudo intitulado “Community-based conservation with formal protection provides large collateral benefits to Amazonian migratory waterbirds”, realizado por João Vitor Campos-Silva e outros pesquisadores do Instituto Juruá, publicado este ano na revista PLOS ONE, comparou diferentes praias do rio Juruá para avaliar a conservação de quatro espécies de aves aquáticas migratórias que se reproduzem na Amazônia brasileira. Dentre as 155 praias comparadas, haviam algumas localizadas em áreas protegidas, outras fora das áreas protegidas e algumas onde havia o trabalho de monitoramento realizado pelas comunidades, seja dentro ou fora de áreas protegidas.
Os resultados foram um tanto surpreendentes, apontando que o modelo de praia mais ocupado pelas aves migratórias são as praias com o monitoramento comunitário, independentemente de estarem dentro ou fora de áreas protegidas. Apesar de as praias com proteção de base comunitária representarem apenas 13,5% das praias analisadas no estudo, elas abrigaram 82% de todos os 6548 indivíduos avistados no trabalho. Embora as tartarugas sejam o alvo das iniciativas de proteção dessas praias, os benefícios para as espécies de aves são impressionantes. A conservação de base comunitária é uma estratégia eficaz para a proteção de aves migratórias que se reproduzem nas praias fluviais amazônicas, principalmente por ter uma implementação de baixo custo e que pode ser replicada em toda a Amazônia.