A exposição ao mercúrio por inalação, ingestão ou contato pode prejudicar nosso sistema nervoso central e periférico, trato digestivo, sistema imunológico, pulmões e rins
Por Camila Duarte Ritter
A Floresta Amazônica abriga uma rica biodiversidade e culturas tradicionais que têm prosperado por milhares de anos. Infelizmente, esse modo de vida está sendo ameaçado pela crescente presença de mineração na região. A busca pelo ouro e outros minerais preciosos têm causado um impacto devastador na saúde das comunidades indígenas, ribeirinhas e no ecossistema como um todo.
As comunidades que vivem perto de operações de mineração de ouro estão expostas a concentrações prejudiciais de mercúrio liberadas durante a extração do ouro e descarregadas em cursos d’água, solo e na atmosfera. Quando despejado no ambiente, o mercúrio se transforma em sua forma mais tóxica, o metilmercúrio (MeHg), por meio de bactérias específicas. Esse processo permite que o MeHg entre nas redes alimentares aquáticas, onde pode se acumular em organismos individuais (bioacumulação) ou se concentrar à medida que se move na cadeia alimentar (biomagnificação em peixes predadores, por exemplo).
A exposição ao mercúrio por inalação, ingestão ou contato pode prejudicar nosso sistema nervoso central e periférico, trato digestivo, sistema imunológico, pulmões e rins. Os efeitos no sistema nervoso central incluem depressão, irritabilidade extrema, alucinações, perda de memória, tremores nas mãos, cabeça, lábios e língua, além de cegueira, retinopatia e neuropatia óptica, perda de audição e redução do olfato.
Mesmo em doses baixas, o mercúrio pode ser tóxico, e os efeitos do MeHg são especialmente preocupantes para a saúde pública, já que ele pode atravessar a placenta e a barreira hematoencefálica, afetando o desenvolvimento fetal e causando danos irreversíveis, incluindo diminuição da capacidade intelectual e motora.
Diversos estudos que investigam a relação entre os níveis de mercúrio no cabelo e o desempenho neuropsicológico encontraram fortes ligações entre o mercúrio e as deficiências cognitivas em crianças e adolescentes em toda a região amazônica. Isso tem levantado preocupações sobre os impactos na saúde infantil nos rios Madeira e Tapajós no Brasil e na região de Madre de Dios, no Peru. A Organização Mundial da Saúde recomenda o monitoramento da concentração de MeHg no cabelo de mulheres grávidas e argumenta que níveis acima de 10 μg/g estão associados com o aumento da pressão arterial sistólica e podem aumentar o risco de efeitos neurológicos nos fetos.
Recentemente, a doença de Minamata foi confirmada em comunidades amazônicas, resultado da exposição a altos níveis de MeHg, com sintomas como tremores, insônia, ansiedade, alterações nas sensações táteis e vibratórias e déficits visuais. Tais efeitos resultaram em um vídeo produzido por Mundurukus denunciando o impacto do garimpo em suas terras.
O Juruá é um dos poucos rios amazônicos que ainda não está afetado pela ação do garimpo, e as associações locais e parceiros institucionais estão unidos para que assim se mantenha! Adotar uma postura firme contra a mineração ilegal é fundamental para proteger a saúde das comunidades e do meio ambiente. O fortalecimento das cadeias produtivas da economia local, como a da borracha, do pirarucu e dos óleos vegetais, é essencial para garantir a renda e a autonomia das comunidades, sem que seja preciso contaminar as águas, os peixes e a floresta.
Por um Juruá vivo e livre de garimpo!
Referências:
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