Comunicação

O papel da sociedade civil e do Estado na proteção dos territórios

Promovido pelo Coletivo do Pirarucu, curso abordou o tema da vigilância comunitária e os desafios enfrentados pelas comunidades manejadoras

Por Talita Oliveira | OPAN

A vigilância comunitária é uma parte essencial do manejo do pirarucu, contribuindo para prevenir atividades ilegais, proteger a biodiversidade e gerar benefícios socioambientais que ultrapassam os limites das áreas de manejo. No entanto, as vastas dimensões dos territórios, aliadas à dificuldade de presença contínua do Estado de direito em locais longínquos da Amazônia, tornam essa tarefa desafiadora e arriscada. Para fortalecer essa atuação, o Coletivo do Pirarucu reuniu em Manaus, em dezembro de 2024,  representantes de 30 organizações com foco na construção de soluções colaborativas e no fortalecimento da atuação em rede.

Essa formação foi resultado de debates promovidos pelo Coletivo, que reúne semestralmente representantes de comunidades, organizações não governamentais (ONGs) e órgãos públicos para tratar de temas ligados ao manejo do pirarucu. As discussões ganharam força após a elaboração, em 2022, de um documento que apontou a relação entre a pesca ilegal e outras práticas criminosas, destacando as ameaças enfrentadas por lideranças e manejadores de pirarucu que atuam na vigilância comunitária.

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“Essa discussão vem para fortalecer cada participante, fazendo com que se sintam mais seguros diante dos problemas que eles possam enfrentar no território. O Coletivo está se fortalecendo, buscando alternativas para apoiar as comunidades e os territórios”, avalia Silvia Elena, secretária dos Direitos Humanos do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS).

Temas abordados

O curso foi estruturado em três eixos principais: legislação ambiental, vigilância territorial e segurança de lideranças. As atividades incluíram palestras e rodas de conversa com representantes de órgãos públicos e organizações da sociedade civil.

Os relatos de experiências das comunidades manejadoras foram o ponto de partida das discussões. Utilizando a metodologia do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), os participantes analisaram coletivamente suas práticas, considerando critérios como qualidade dos dados coletados e engajamento comunitário nas ações de vigilância.

A programação do curso contou com palestras e debates com representantes de órgãos públicos e organizações da sociedade civil. Foto: Talita Oliveira/OPAN

Eduardo Sanches, procurador da república, também participou da formação e apresentou o papel do Ministério Público Federal (MPF) na proteção territorial. O procurador explicou que, entre as diversas funções do órgão, uma das principais é a defesa dos direitos coletivos de povos e comunidades tradicionais. 

“Hoje a segurança dos territórios tradicionais é uma das maiores demandas dessas coletividades. O MPF pode e deve auxiliar no fortalecimento das vigilâncias comunitárias e exigir, judicialmente e extrajudicialmente, que o Estado faça sua parte, atuando a partir das denúncias feitas pelos comunitários”, destacou Sanches. 

Proteção das lideranças e as iniciativas da sociedade civil

A atuação na vigilância territorial aumenta a exposição das lideranças, tornando-as muitas vezes alvo de ameaças e intimidações. No âmbito do Estado, há iniciativas como o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), fundamentado com base na Política Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PNPDDH) e executado por meio de convênios firmados voluntariamente entre a União e governos estaduais que possuam programas de proteção.

Embora a segurança seja um dever do Estado, diversas organizações da sociedade civil também atuam na proteção de defensores e defensoras, oferecendo apoio jurídico, infraestrutura e informações qualificadas. Entre essas iniciativas, estão a Justiça Global, voltada à proteção e promoção dos direitos humanos, e a Frontline Defenders, organização irlandesa que protege defensores e defensoras de direitos humanos em situação de risco. Há também resoluções internacionais, como a 53/144 da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), que reforçam a responsabilidade de governos e sociedades na proteção dos direitos humanos fundamentais. 

Diálogo com o promotor de justiça do Ministério Público do Amazonas (MPAM), Marcos Tulio Pereira, sobre o papel do órgão na proteção territorial. Foto: Talita Oliveira/OPAN

O CNS, por meio de sua Secretaria de Direitos Humanos, desenvolve um projeto específico para lideranças extrativistas ameaçadas. “Prestamos apoio imediato, muitas vezes com a retirada das lideranças do local de risco. Atuamos como ponte entre a pessoa ameaçada e os órgãos de justiça”, explica Silvia Elena.

Embora o foco do CNS seja nas populações extrativistas, o apoio também se estende a lideranças indígenas e quilombolas, especialmente quando integradas a coletivos. “A gente valoriza a força dos coletivos, como os da castanha, da borracha e do pirarucu. Quando vemos uma liderança ameaçada e sem ter a quem recorrer, buscamos ajudar de alguma forma”, completa.

Caminhos possíveis

60 pessoas de 30 organizações participaram dos quatro dias e meio da formação. Foto: Talita Oliveira/OPAN

Os dois últimos dias do curso foram dedicados à reflexão sobre as possibilidades de incidência do Coletivo do Pirarucu e aos encaminhamentos para uma atuação conjunta entre comunidades e órgãos de fiscalização. Uma atividade de mapeamento participativo também foi realizada e permitiu identificar a infraestrutura local para apoio da vigilância e os principais pontos de pressão e ameaça nas áreas de manejo.

“É impressionante o avanço das comunidades na organização e implementação das atividades de vigilâncias de vários territórios, tudo feito com muito pouco apoio do Estado. É certo que muito pode ser feito, mas ficou clara a existência de boas experiências que podem e devem ser fortalecidas e multiplicadas”, avaliou o procurador Eduardo Sanches. 

Parcerias para a proteção territorial

O “Curso para fortalecimento de capacidades para a vigilância comunitária em áreas de manejo do pirarucu selvagem” foi promovido pelo Coletivo do Pirarucu, com o apoio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Participaram do evento representantes do Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público do Amazonas (MPAM), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM), Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SEMA), Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), além de organizações comunitárias e ONGs que integram o Coletivo do Pirarucu.

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