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1ª FEIRA DE QUELÔNIOS LEGALIZADOS NO MÉDIO JURUÁ: UMA CONQUISTA HISTÓRICA PARA A CONSERVAÇÃO DESTAS ESPÉCIES E O BEM-ESTAR DAS COMUNIDADES RIBEIRINHAS

Por: Nathália Messina

Nos dias 8, 9 e 10 de maio de 2025, vivenciamos em Carauari (AM) um momento histórico que celebrou a resistência e a sabedoria das comunidades ribeirinhas: a realização da 1ª Feira de Comercialização de Quelônios de Criações Comunitárias do Médio Juruá. Mais que uma feira, o evento representou o marco de um novo capítulo para a conservação da sociobiodiversidade amazônica e para a valorização das famílias diretamente envolvidas neste trabalho.

Monitores de quelônios das UCs RDS Uacari e RESEX Médio Juruá, ao lado das autoridades da SEMA-AM, IPAAM, ICMBio, Pé de Pinhca (UFAM), Prefeitura de Carauari e Câmara de Carauari.
Foto: Comunicação SEMA e IPAAM.

Essa é a primeira vez, no Amazonas e no Brasil, que a venda de quelônios criados por comunidades foi autorizada por um órgão ambiental licenciador, o IPAAM – Instituto De Proteção Ambiental do Amazonas. Após décadas de monitoramento dos tabuleiros, praias e sítios de nidificação de quelônios, nas reservas RDS (Reserva de Desenvolvimento Sustentável) Uacari – gerida pelo Estado do Amazonas – e RESEX (Reserva Extrativista) Médio Juruá – gerida pela União -, a luta por justiça ambiental e reconhecimento dos monitores avança mais um degrau na história. 

A reserva estadual RDS Uacari conquistou o direito de comercializar legalmente os animais criados em tanques escavados – um feito inédito e de grande importância. Foram transportados para comercialização aproximadamente mil quelônios (tartarugas-da-amazônia e tracajás), criados por famílias das comunidades Manarian, Vila Ramalho e Xibauazinho. A venda seguiu rigorosos critérios técnicos e legais, com a assessoria do Programa Pé de Pincha (UFAM – Universidade Federal do Amazonas), garantindo que cada animal tivesse peso adequado (mínimo de 1,5 kg) e fosse identificado com lacres e recibos autorizados. O valor arrecadado foi revertido às cerca de 51 famílias envolvidas, fortalecendo a economia local e incentivando a continuidade da proteção dos ambientes naturais de desova.

A proteção de tabuleiros de quelônios  é muito importante, pois é um trabalho de conservação altamente eficiente que envolve muita dedicação por parte dos monitores dos tabuleiros. Segundo Eduardo Muhlen (Duka), coordenador de Governança Territorial e Sociobioeconomia do IJ: “A conservação de quelônios tem vários desafios! O Instituto Juruá tem trabalhado juntamente com a AMARU (Associação dos Moradores Agroextrativista da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Uacari), AMECSARA (Associação dos Moradores Extrativistas da Comunidade São Raimundo), SEMA-AM (Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Amazonas), ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), Pé de Pincha e Comunidades da RDS Uacari e RESEX Médio Juruá para apoiar a proteção de 19 tabuleiros em Carauari, na região das Unidades de Conservação – e também pra que isso traga não apenas a conservação das espécies, mas também a dignidade e o reconhecimento pelo trabalho dos monitores, a segurança e a soberania alimentar, pois a gente também entende que os quelônios são componentes importantes na cultura alimentar das pessoas. E que, possivelmente, uma forma que as comunidades tem de buscar minimizar o mercado ilegal dos quelôneos, vem com essa solução da criação.”, relatou Eduardo. Assim, ao lado desses parceiros, temos atuado com apoio técnico-científico, logístico e institucional para que essa iniciativa de base comunitária possa florescer.

Parafraseando o Prof. Paulo Andrade (Pé de Pincha), a conservação de quelônios no Médio Juruá não é recente: são mais de 45 anos de vigilância comunitária voluntária, garantindo que milhares de filhotes retornem todos os anos à natureza. Hoje, são mais de 165 localidades em todo o Amazonas, protegendo cerca de 1,7 milhão de filhotes por ano, e mais de 80% dessas ações são protagonizadas por comunidades, de acordo com o professor – uma das maiores autoridades sobre o assunto no Amazonas.

E como manifestou Hugo Costa, nosso coordenador de pesquisas científicas do IJ, “a tartaruga atua como uma espécie guarda-chuva. Ao proteger os tabuleiros para a reprodução dos quelônios, também estamos protegendo todo o ecossistema associado: aves migratórias, peixes de couro, jacarés e insetos. É um serviço ambiental imenso prestado por quem vive na floresta”. Mas esse esforço ainda não é acompanhado por um retorno proporcional às famílias protetoras. Por isso, a legalização da criação e comercialização é também uma estratégia de justiça: um reconhecimento concreto de que a conservação socioambiental de base comunitária deve prover uma vida digna às famílias monitoras.

A feira, portanto, veio como uma culminância de todo esse processo de proteção. O dia 8 de maio foi especialmente vibrante: um festival de cultura, arte, sabores e saberes. Além da abertura oficial com homenagem aos monitores de quelônios e falas das autoridades presentes, incluindo o Secretário de Estado do Meio Ambiente, Eduardo Taveira, e o Prefeito de Carauari, Airton Siqueira, o público pôde prestigiar a exposição fotográfica “Quelônios e Comunidades da Amazônia: Médio Juruá em foco”; acompanhar uma pintura ao vivo (live painting) conduzida pelo artista comunitário Elissandro da Silva Cunha, da comunidade Fortuna; experimentar pratos típicos à base de quelônios; e adquirir artesanatos produzidos por organizações locais ligadas ao Fórum Território Médio Juruá.

Já nos dias 9 e 10 de maio, o evento foi voltado exclusivamente para a venda direta de quelônios, inicialmente na Quadra Braulino Maia (Orla de Carauari) e posteriormente na Feira Redonda da Beira-Mar. Segundo dados fornecidos por Gilberto Olavo (gestor da RDS Uacari), as comunidades levaram 979 unidades de quelônios, entre tartarugas e tracajás, o que dá um total de um pouco mais de 2 toneladas (2.207,3 kg), sendo que todos foram vendidos no valor de R$20,00/kg. Este preço somente foi possível de praticar, devido aos subsídios fornecidos pela Prefeitura Municipal de Carauari, no valor de R$5,00, e pelo Instituto Juruá no valor de R$15,00; do contrário, o preço de venda seria em torno de R$40,00/kg ou mais, considerando custos de produção e transporte. O montante total gerado, incluindo os subsídios, foi de R$88.292,00 – um impacto socioeconômico direto para as mais de 50 famílias envolvidas. Os resultados aparecerão com mais detalhes no relatório que a AMARU está encaminhando ao IPAAM, como parte do processo de licenciamento.

Este evento histórico foi realizado pelas próprias comunidades da RESEX Médio Juruá e da RDS Uacari, em parceria com a SEMA-AM, ICMBio, UFAM (Pé-de-Pincha), AMARU, AMECSARA e Instituto Juruá, contando com o apoio do Ibama, Prefeitura de Carauari, FAS, Natura, ASPROC e o Fórum Território Médio Juruá. A autorização foi concedida pelo IPAAM-AM, coroando uma luta iniciada há décadas.

Monitores de quelônios no palco, recebem homenagem pelo trabalho voluntário realizado há anos nas Unidades de Conservação da região. 
Foto: Paulo Andrade.

A feira mostrou que é possível unir floresta e cidade, tradição e inovação, conservação e o bem viver comunitário. Seguimos firmes, lado a lado com as comunidades e parceiros, por uma Amazônia viva!

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