Evento coroou anos de trabalho voluntário das comunidades ribeirinhas itamaratienses e mostrou à população os frutos do manejo sustentável: peixe em abundância, de alto sabor agregado, legalizado e que ajuda a proteger os recursos hídricos e florestais do município.
Por Nathália Messina, revisado por Neyde Martine (…)
No início de outubro, as comunidades ribeirinhas de Itamarati (Rio Juruá, Amazonas), inauguraram um novo capítulo no município para a conservação da natureza: A 1ª pesca e feira de manejo sustentável, com foco no pirarucu e tambaqui, do Acordo de Pesca local. Realizadas nos dias 2 e 3 no Ginásio da Beira Rio, as comunidades obtiveram sucesso de participação e vendas, o que veio a fortalecer mais de 6 anos de trabalho social para a proteção dos ambientes pesqueiros.
Oficialmente homologado em maio de 2025, o Acordo de Pesca de Itamarati, saiu do papel e já demonstrou seu primeiro grande resultado. Mesmo em caráter experimental, a feira mostrou, na prática, que é possível aliar conservação da biodiversidade com geração de renda. Mais do que uma feira de pescados, o evento simbolizou a força da organização social de nove comunidades ribeirinhas envolvidas nesta primeira experiência de manejo. Além da comercialização dos peixes, a programação incluiu atividades educativas, artístico-culturais e políticas, reforçando o compromisso coletivo com a consolidação do manejo sustentável.
Conhecimento, Cultura e Comercialização
Com abertura oficial na noite do dia 2 de outubro, moradores, autoridades, estudantes, artesãos e parceiros participaram de uma programação dedicada à Cultura e Educação Socioambiental, que incluiu a exibição do documentário “Pirarucu, o respiro da Amazônia”, uma mostra de artesanatos locais e uma palestra sobre as regras do Acordo de Pesca e o manejo do pirarucu. Durante o encontro, representantes do Comitê Gestor debateram os caminhos futuros, reforçando o compromisso coletivo com a conservação e a gestão participativa dos recursos pesqueiros. A noite foi encerrada com homenagens emocionantes às comunidades e uma animada confraternização.

Homenagem às comunidades.
Foto: Indiara Bessa/ Acervo Instituto Juruá.
Já no dia seguinte, antes mesmo do amanhecer, uma fila se formava à porta do Ginásio. Às 6h em ponto, começou a venda legalizada do pescado manejado com procedência garantida dos lagos protegidos. Participaram do processo nove comunidades ribeirinhas, organizadas em quatro grupos de manejo, distribuídos da seguinte forma: na área de cima de Itamarati – Lago do São Francisco (Comunidade Nova Olinda); Lago do Tarira e Sacado do Valterbury (Comunidades Canta Galo e Valterbury); na área de baixo de Itamarati – Lago Grande ou Lago da Vista Alegre (Comunidades Vista Alegre, São Pedro, Vila Martins e Igarapé da Dona Nenê); e Lago do Jegue (Comunidades Quiriku 1 e Quiriku 3), conforme Mapa 1 abaixo.

Mapa 1 – Acordo de Pesca de Itamarati, com destaque para os lagos, distribuídos em 4 categorias: comercial, manejo, manutenção e preservação (mapa acessível em melhor resolução neste link).
Fonte: Pedro Lacerda/ Acervo Instituto Juruá.
Os quatro grupos de manejo se organizaram em bancas individuais, onde foram comercializados aproximadamente 283 quilos de pirarucus frescos (5 unidades) e cerca de 1,5 toneladas de tambaqui e outros peixes graúdos. Toda a produção foi vendida diretamente das mãos dos comunitários ao consumidor final – uma estratégia de fortalecer vínculos entre quem pesca com responsabilidade e quem consome de forma consciente.
FOTO FEIRA
Além da da produção comercializada na feira, foram vendidos outros 15 pirarucus (equivalentes a 976 kg) e aproximadamente 800 kg de tambaqui à Colônia de Pesca Z-59, que, por sua vez, destinou os peixes a uma ação social organizada pela Prefeitura de Itamarati, dedicada às populações em vulnerabilidade.


Presidente da AAEPPRI, na entrega dos pirarucus para a Colônia e para a ASPROC.
Foto: Acervo AAEPPRI.
Para completar a cota experimental do acordo de pesca, liberadas pelo Ibama, a AAEPPRI (Associação Ambiental, Extrativistas, Pescadores e Produtores Rurais de Itamarati) organizou a venda de 100 pirarucus, diretamente para a ASPROC (Associação dos Produtores Rurais de Carauari) – associação esta que possui larga experiência no manejo do pirarucu e alcança mercados em diversos territórios brasileiros por meio da marca coletiva “Gosto da Amazônia”, fruto de uma construção do Coletivo do Pirarucu.
Sustentabilidade que Gera Frutos
O sucesso da feira vai além das vendas. Ele comprova a efetividade do modelo de co-gestão participativa no manejo de lagos e ambientes aquáticos, que combina conhecimento tradicional com protocolos técnico-científicos. A vigilância dos lagos, feita há anos de forma voluntária e em sistema de rodízio pelos próprios comunitários, com assistência técnica e apoio de parceiros, resultou no aumento dos estoques pesqueiros, permitindo essa safra sustentável e respeitosa com a natureza.
“O maior presente que eu ganhei na minha vida é hoje estar aqui, com muitas lutas (…) e junto com os parceiros. Nós estamos juntos e graças a Deus vai acontecer muito mais! Eu quero dizer à população que vale a pena conservar, porque se nós não conservar, nós nunca chegamos em lugar nenhum!”, afirmou o Sr. Chico Amâncio, vice-presidente da AAEPPRI e uma das maiores lideranças comunitárias de Itamarati.
FOTO CHICO AMANCIO
O peixe legalizado, vendido com recibo e Guia de Trânsito, garante ao consumidor a certeza da origem e contribui para o aumento da receita local e da renda comunitária, reinvestindo no ciclo da sociobioeconomia, como disse o Sr. Tarira, liderança da comunidade Canta Galo: “(…) nossa expectativa fica lá em cima, porque a gente vê que é um trabalho que tá dando certo. Então quando você começa a trabalhar em algo que você vê que é produtivo, a sua expectativa fica a mil por hora, né?”, afirmou Tarira em entrevista ao Instituto Juruá.

Sr. Tarira, em entrevista ao Instituto Juruá, durante a pesca do pirarucu nos lagos de Canta Galo e Waterbury.
Foto: Indiara Bessa/ Acervo Instituto Juruá.
Balanço Positivo e Olhar para o Futuro
A realização da 1ª Feira do Pescado Manejado do Acordo de Pesca de Itamarati foi uma demonstração prática de que o Acordo de Pesca deve ser prosperado. Além de levar o alimento de qualidade para a população local, a feira e o evento em torno do manejo sensibilizaram a sociedade sobre a importância da pesca legal sustentável e da conservação de base comunitária, gerando renda direta para as famílias manejadoras e fortalecendo a união comunitária em torno de um objetivo comum.
“Ver hoje eles com o olhar, o semblante totalmente diferente, com sorriso no rosto, o reconhecimento pelas instituições e a sua representatividade ao patamar que está hoje, é muito gratificante (…). Pra nós, como instituição, (…) é inigualável ver o retorno desse trabalho, essa semente que a gente vem plantando desde o início, lá de trás, junto com o Instituto Juruá.”, expressou Nathanilson Lopes, Secretário Municipal de Meio Ambiente e um dos representantes do Comitê do Acordo de Pesca de Itamarati.
A iniciativa contou com a realização das Comunidades do Acordo de Pesca, AAEPPRI, Instituto Juruá, Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Secretaria Municipal de Produção e Abastecimento; e com o apoio de uma extensa rede de parceiros, incluindo a Colônia de Pesca Z-59 (membro do Comitê Gestor), Prefeitura de Itamarati, ICMBio, Ibama, ASPROC, AMARU, AMAB e outras instituições integrantes do Fórum Território Médio Juruá.
O sucesso desse primeiro evento abre caminho para que a Feira do Pescado Manejado se torne uma tradição em Itamarati, consolidando-se como um símbolo de que é possível ter qualidade de vida e conservação do meio ambiente, na perspectiva de fortalecimento dos povos e comunidades tradicionais amazônidas.





