Associação de mulheres realiza a sua 11ª Assembleia Geral e celebra a sua história de lutas e conquistas com mais de 200 participantes do Médio Juruá.
Por: Associação de Mulheres Agroextrativistas do Médio Juruá – ASMAMJ
A Associação de Mulheres Agroextrativistas do Médio Juruá – ASMAMJ – é uma organização de base comunitária que luta pela valorização das mulheres e garantias dessas ao acesso às políticas públicas, direito e cidadania, fomentando a participação feminina no meio social, político e econômico de suas comunidades e no território como um todo. A associação nasce do anseio de mulheres moradoras de unidades de conservação (UC), após terem o direito à terra garantido nas UCs, lutarem por seu espaço de direito.
O Território Médio Juruá, assim como em outras áreas do norte do Brasil, tem sua história marcada pelos ciclos da borracha. Os seringalistas exploravam os seringueiros com regimes de trabalho análogos a escravidão. As famílias eram obrigadas a comprar os itens básicos de sobrevivência por valores absurdos nos barracões ou regatões, por isso, ao longo do tempo as mulheres desenvolveram estratégias próprias, utilizando o conhecimento tradicional passado de geração em geração, para cuidar da saúde e do bem-estar da família.
Após décadas sofrendo com a exploração, com o apoio do Movimento de Educação de Base – MEB, a população começou a organizar-se para reivindicar o direito à terra e a sua própria existência. Foi criada, assim, a primeira associação local, em 1994 – a ASPROC (Associação dos Produtores Rurais de Carauari) -, sendo fundamental para garantir a independência do domínio dos patrões e lutar por suas reivindicações de forma oficial. Como fruto dessa luta, em 1997 foi criada a Reserva Extrativista do Médio Juruá (RESEX Médio Juruá) e em 2005 a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Uacari (RDS Uacari), passos significativos para a garantia do território e dos verdadeiros donos das terras. Nesse cenário, as mulheres sempre estiveram presentes, no entanto, tinham pouco espaço; eram privadas de participar dos momentos deliberativos e ficavam muito restritas ao ambiente doméstico, mas essa realidade começou a incomodá-las. Por isso, de forma organizada e através do apoio de instituições como o MEB, que destacou em seu último ciclo de atuação as mulheres como prioridade, e o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), através de sua gestora na época Rose Batista, uma autoridade importante dentro do processo -, as mulheres do território puderam se organizar e começaram a reivindicar o seu espaço de direito, denunciando violências e silenciamentos, buscando a sua liberdade e autonomia de participação ativa e, principalmente, a independência financeira, pois as mesmas até então não eram vistas como pessoas de direito e de voz por seus próprios maridos.
Assim, em 2001 aconteceu o primeiro encontro de mulheres do Médio Juruá, onde foi firmado o compromisso da criação da ASMAMJ. Durante o processo inicial, houve muitas dificuldades para formalizar a associação, devido às burocracias e, principalmente, às questões logísticas, já que as mulheres não tinham recursos para deslocarem-se até a cidade para idas ao cartório e nem tinham como manter uma representante na cidade por muitos dias. Outro desafio, vivenciado pelas primeiras presidentas, era quanto à escolarização, visto que durante esse período poucas mulheres eram alfabetizadas. No entanto, com o apoio do MEB, ICMBio e posteriormente com a Universidade do Estado do Amazonas (UEA), e outros parceiros, em 2004 a associação foi formalizada representando um novo momento para as mulheres, que ansiavam fortemente por um espaço que as acolhesse e que as representassem.
Atualmente a associação atua nas comunidades da RESEX Médio Juruá, RDS Uacari, Área do acordo de pesca do baixo Carauari e da Aldeia Indígena Kanamari no município de Carauari, estado do Amazonas. Conta com 215 associadas que atuam em pólos de produção, gerando renda às suas participantes. Além disso, a associação realiza ações que valorizam o conhecimento tradicional, a promoção de direitos e a equidade de gênero.
Durante a Assembleia Geral da ASMAMJ realizada entre os dias 06 a 08 de março de 2024, na comunidade Bom Jesus, as mulheres fundadoras presentes puderam compartilhar com as associadas e os convidados um pouco de como foi esse processo. Elas relembraram algumas dificuldades para conseguirem se reunir, como ir remando para fazer as reuniões, sendo que hoje a ASMAMJ possui embarcação própria e conta com a disponibilidade de embarcações de parceiros. Também disseram que, no início, não sabiam sobre os procedimentos para a legalização da associação, mas que junto a parceiros, como a Rosi Batista, conseguiram a sua devida regulamentação. A atual diretora Olívia, da comunidade do Pupuaí, que fez parte do início da organização, relembrou a primeira assembleia feita na comunidade Bom Jesus, e encorajou as associadas a não desistirem e que caminhem sempre para frente. Relembrou de sua mãe, que já faleceu, mas que também foi à luta pela ASMAMJ.
Na história, que foi narrada pelas mulheres fundadoras e pioneiras da associação, Maria Luci afirma que “a ASMAMJ foi criada para tirar as mulheres das ‘garras do marido’ em busca de sua independência, seus direitos e empoderamento”. Para Maria das Neves, da comunidade Novo Horizonte, que hoje é diretora da ASPROC e acaba de encerrar um mandato de diretoria pela ASMAMJ: “elas conseguiram seus espaços na sociedade enquanto mulher, pois as reuniões de antigamente quem representava as comunidades eram os homens, enquanto as mulheres ficavam em casa”. Neves afirma que foram muitas dificuldades, e que algumas das fundadoras já faleceram, mas que o recado é que não se deve desistir, que “a associação está fortalecida e o caminho é de fortalecimento contínuo”. A recém eleita vice- presidenta da ASMAMJ, Ivanete Marreira Figueiredo, da comunidade Xibauá, incentiva a juventude a seguir com o trabalho que foi iniciado por mulheres muito fortes. Marta Salvino, da comunidade Roque, relembra que sua comunidade participa desde o início da criação da associação. Ela enfatizou a alegria em ver a ASMAMJ com tantas associadas e pontuou a necessidade da criação da organização das mulheres, visto que naquela época a ASPROC, era considerada por muitos uma associação formada majoritariamente por homens e que as mulheres não tinham espaço de protagonismo. Atualmente, Marta e suas filhas são associadas e ela diz orgulhosamente que “O lugar da mulher é onde ela quiser”. Afirma que ainda há mulheres que não participam de reuniões e assembleias por conta dos maridos que não dão permissão. Sendo assim, é preciso lutar para que isso não ocorra mais.
No dia 16 de junho de 2024, a organização completa 20 anos de existência, e as fundadoras agradecem o trabalho que vem sendo realizado pela liderança atual, formada por mulheres jovens e empoderadas, que tem dado prosseguimento a esse trabalho de inúmeras lutas e vêm galgando por um caminho de muitas conquistas.
Como resultado desse trabalho, atualmente a associação conta com polos de produção, como a extração artesanal da andiroba; produção de biocosméticos e saboaria; e produção de biojoias com escamas de peixes manejados localmente. Além disso, está buscando consolidar a extração de óleo essencial de plantas da região e, em parceria com a Natura, desenvolverá a cadeia produtiva da Mutamba, a ser utilizada na fabricação de produtos da empresa – parceria que já é desenvolvida com outras associações do território. Ademais, possui um corpo técnico que auxilia na realização de atividades e no desenvolvimento de projetos, graças às parcerias com instituições, como a Sitawi, o Fundo Casa, o Fundo de Repartição de Benefícios, o Memorial Chico Mendes, o PNUD, entre outras. A sede atual da ASMAMJ hoje encontra-se na comunidade de São Raimundo (RESEX Médio Juruá) e conta com uma Casa de Destilação, escritório, bote com motor para deslocamento, material de escritório, dentre outros bens que são frutos desses 20 anos de história. É um sonho também ter uma sede própria na cidade de Carauari, já que hoje a associação compartilha do mesmo edifício histórico em que o Instituto Juruá está sediado, onde no passado abrigou o CNS (Conselho Nacional das Populações Extrativistas). Acreditamos que com uma sede própria da ASMAMJ, as necessidades das mulheres do Médio Juruá seriam melhores atendidas com os serviços ofertados pela associação, como a assistência psicológica e as vendas dos produtos em um espaço próprio e identitário.
Mesmo diante de tantas conquistas, ainda há desafios a serem superados, como a baixa participação das mulheres em espaços de tomadas de decisões, como no Conselho Gestor das Reservas (RDS E RESEX), onde, basicamente, todas as agendas socioambientais do Território Médio Juruá são decididas. Porém, se espera que com a capacitação em Gestão Territorial para mulheres, que será realizada pela ASMAMJ, dentre outros serviços previstos para 2024, elas possam se empoderar ainda mais e passar a representar suas comunidades em todos os espaços que elas desejam ocupar.