Comunicação

Passados quatro anos de homologação do Acordo de Pesca

O Instituto Juruá esteve presente para o diagnóstico do acordo, na perspectiva de inclusão de novas áreas, apoios e treinamentos para o manejo do pirarucu.

Por: Valdenor Magalhães Silva

Um acordo de pesca é um pacto entre países, regiões ou comunidades destinado a regular a exploração dos recursos pesqueiros em uma área ou bacia hidrográfica específica. Esses acordos geralmente estabelecem regras e diretrizes para a pesca sustentável, com o objetivo de conservar os ecossistemas aquáticos e manter as populações de peixes. A bacia amazônica abriga milhares de espécies de peixes, muitas das quais são endêmicas, ou seja, não são encontradas em nenhum outro lugar do mundo. Essa biodiversidade sustenta as comunidades indígenas e ribeirinhas há milhares de anos e desempenha um papel crucial nos ciclos naturais da região, contribuindo para a saúde dos ecossistemas aquáticos e terrestres.

Foto: Valdenor Magalhães Silva

Historicamente, os primeiros Acordos de Pesca na Amazônia começaram a ser pensados informalmente há pelo menos 50 anos, devido aos conflitos entre as comunidades ribeirinhas e as grandes frotas de pesca comercial. No entanto, foi apenas a partir de 2011 que esses acordos começaram a ser formalmente reconhecidos pelas instituições governamentais do Amazonas, ganhando força de lei por meio de Instruções Normativas. Essas normas visam estabelecer zonas de pesca protegidas, limites de captura, regulação de apetrechos, períodos de defeso para a reprodução das espécies e medidas para combater a pesca ilegal e predatória. Além disso, podem incluir disposições para a conservação de habitats aquáticos, como áreas de desova e alimentação, além de ações para mitigar os impactos da poluição e degradação ambiental.

Nesse contexto, o Instituto Juruá, em parceria com a Secretaria de Meio Ambiente do Amazonas (SEMA) e a Conservation International (CI), iniciou no final de 2023 uma pesquisa em nove áreas de Acordos de Pesca no estado do Amazonas. O objetivo é realizar um diagnóstico do funcionamento atual desses acordos. O processo de diagnóstico ocorre em três etapas: a primeira envolve conversas com lideranças locais e representantes de organizações da sociedade civil; a segunda, a realização de reuniões comunitárias; e a terceira, entrevistas individuais com pescadores e beneficiários das áreas dos acordos. Em cada etapa, os pesquisadores coletam dados sobre a infraestrutura das comunidades, governança local, produção pesqueira, renda familiar, economia local, tipos de pesca, conflitos e percepções sobre os acordos. O objetivo final é desenvolver um protocolo geral de monitoramento que permita ao governo acompanhar essas áreas a longo prazo e tomar decisões estratégicas para fortalecer os Acordos de Pesca no Amazonas.

Entre julho e agosto de 2024, os pesquisadores do Instituto Juruá embarcaram em uma jornada de 26 dias até o Acordo de Pesca da Foz do Rio Tapauá, na calha do Rio Purus. Criado pela Instrução Normativa SEMA/AM Nº 04, de 19 de agosto de 2020, o acordo de pesca está localizado no município de Tapauá e envolve seis comunidades, 421 famílias, cerca de 300 pescadores e pelo menos 30 ambientes aquáticos mapeados e categorizados para a pesca de subsistência e comercial, além de áreas de preservação. A pesca é a atividade mais importante da região, sendo a principal fonte de sustento e renda para a maioria das famílias.

Segundo os moradores locais, a Foz do Rio Tapauá vinha sendo explorada por grandes frotas pesqueiras, oriundas de Manaus, Iranduba, Lábrea, Manacapuru e do próprio município, há pelo menos 30 anos. Essas embarcações tinham como alvo espécies migratórias, como o Jaraqui, o Pacu e o Matrinxã, mas também exploravam intensamente espécies como o Tambaqui e o Pirarucu, levando ao quase desaparecimento dessas últimas na região. Além da pressão pesqueira, essas frotas trouxeram problemas, como violência, alcoolismo e tráfico de drogas para as comunidades. Chegou-se a registrar até 60 barcos pesqueiros por dia atracados em um único porto comunitário.

Diante do agravamento da situação, com a queda nos estoques pesqueiros e a limitação da pesca local, os moradores, com o apoio da Comissão Pastoral da Terra e da Paróquia da Igreja Católica da Foz do Tapauá, iniciaram em 2018 o processo de criação do Acordo de Pesca. O objetivo era minimizar os conflitos e estabelecer regras que permitissem a recuperação dos estoques pesqueiros locais. Quatro anos após a homologação do acordo, os moradores relatam uma redução significativa dos conflitos pesqueiros, a retirada das frotas comerciais da região e a recuperação dos estoques, com avistamentos frequentes de Pirarucu no rio e nos lagos.

Em 2023, foi fundada a Associação dos Comunitários e Comunitárias do Acordo de Pesca da Foz do Tapauá (ACCAP), com o objetivo de fortalecer a vigilância territorial e desenvolver alternativas para o uso sustentável dos recursos locais. Recentemente, incentivados pelo povo indígena Paumari das Terras Indígenas do Lago Paricá e do Lago Manissuã, que fazem fronteira com a área do Acordo de Pesca, os moradores iniciaram o processo de implementação do manejo do Pirarucu. No entanto, esse processo enfrenta dois desafios principais. O primeiro é a necessidade de revisão e atualização do acordo para incluir novas áreas e comunidades. Em parceria com a ACCAP, o Instituto Juruá realizou reuniões comunitárias para orientar os moradores, mapear novos ambientes aquáticos e explicar quais são os procedimentos legais para fazer a revisão do Acordo de Pesca. 

O segundo desafio é a falta de contadores profissionais de Pirarucu, cuja contagem adequada é fundamental para o manejo sustentável. Para enfrentar essa dificuldade, o Instituto Juruá, em parceria com a ACCAP, promoveu um treinamento sobre a metodologia de contagem e ferramentas de monitoramento do Pirarucu. Realizado entre 29 e 30 de julho de 2024, e foi dividido em duas etapas: uma teórica, realizada na Comunidade de Foz do Tapauá, e uma prática, realizada no lago da Comunidade Ponta Isabel. O objetivo foi demonstrar a importância da contagem para o manejo e incentivar o interesse na certificação profissional. O treinamento contou com a participação de 24 moradores, sendo 8 mulheres e 16 homens. O Instituto Juruá também vem buscando o fortalecimento da parceria entre o povo Paumari e os moradores do Acordo de Pesca para a realização de trocas de experiências sobre o manejo e apoio dos indígenas em futuras contagens nos lagos do Acordo, tendo em vista que o povo Paumari é referência na organização social da pesca e possui contadores profissionais experientes que podem contribuir no processo de formação de novos contadores e na implementação do Manejo do pirarucu no Acordo de Pesca da Foz do Rio Tapauá.

Foto: Valdenor Magalhães Silva

O Instituto Juruá acredita que a experiência dos moradores do Acordo de Pesca da Foz do Tapauá é fundamental para a construção de um protocolo de monitoramento que reflita a diversidade das realidades de pesca na Amazônia. Além disso, o apoio às organizações comunitárias é essencial para a conservação e a manutenção dos modos de vida das populações tradicionais.

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