Proposta fragiliza o licenciamento ambiental e ameaça os direitos socioambientais no Brasil.
Por: Camila Duarte Ritter
O Instituto Juruá manifesta sua preocupação e posição contrária ao Projeto de Lei 2159/2021, conhecido como “PL da Devastação”, recentemente aprovado pelo Senado e que agora retorna à Câmara dos Deputados. A proposta busca estabelecer normas gerais para o licenciamento ambiental no Brasil, alegando unificar e simplificar procedimentos. No entanto, o que está em jogo é muito mais do que uma questão de eficiência administrativa: trata-se do possível enfraquecimento de um dos principais instrumentos de controle e prevenção de impactos socioambientais do país.
O texto atual do PL abre brechas extremamente preocupantes. Permitir o licenciamento autodeclaratório, ou seja, realizado sem análise prévia por órgãos ambientais, dispensar estudos de impacto para determinadas atividades e autorizar que estados e municípios flexibilizem as regras conforme seus próprios critérios são medidas que colocam em risco a qualidade técnica, a transparência e a segurança das decisões ambientais. Além disso, esse projeto de lei enfraquece o princípio da precaução ao privilegiar a “celeridade” e a “liberdade econômica” acima da proteção socioambiental. Nesse contexto, pode haver autorização de obras sem o devido conhecimento dos riscos, o que compromete a segurança ecológica e a saúde pública. Essas mudanças favorecem interesses econômicos de curto prazo em detrimento da saúde ambiental, dos direitos das populações afetadas e da resiliência dos ecossistemas brasileiros frente à crise climática.
A proposta representa um grave retrocesso. Ela colide frontalmente com os compromissos assumidos pelo Brasil em acordos internacionais, como o Acordo de Paris, e enfraquece os mecanismos institucionais que deveriam proteger a rica e estratégica sociobiodiversidade do país. Em vez de garantir um desenvolvimento alinhado com a justiça ambiental e climática, o PL 2159/2021 abre espaço para a repetição de tragédias já vividas, como os crimes de Mariana e Brumadinho – eventos que expuseram a fragilidade dos sistemas de fiscalização e os altos custos humanos, sociais e ambientais da negligência.
É preciso lembrar que não são os povos indígenas, ribeirinhos e demais comunidades tradicionais os responsáveis pela degradação ambiental. Ao contrário, essas populações demonstram cotidianamente que é possível aliar uso sustentável dos recursos naturais, valorização dos conhecimentos locais e geração de renda com conservação ambiental. Suas práticas e modos de vida oferecem caminhos concretos para a construção de uma economia de baixo carbono, baseada em justiça social e equilíbrio ecológico.
Enfraquecer o licenciamento ambiental é, portanto, ignorar essas alternativas, dar as costas à ciência e à sociedade civil e abrir as portas para empreendimentos de alto impacto com baixo retorno social. O Instituto Juruá reconhece a importância de revisar e aprimorar o sistema de licenciamento ambiental, mas defende que essa revisão seja feita com responsabilidade, de forma participativa, e que fortaleça os critérios técnicos, a independência das análises, o acesso à informação e o interesse público.
Defendemos um licenciamento ambiental robusto, ético e transparente, com estudos conduzidos por instituições isentas, sem cláusulas de sigilo, com ampla participação social e respeitando os limites ecológicos e os direitos dos povos e comunidades tradicionais. Um país que pretende liderar a transição ecológica global precisa dar o exemplo em casa.
É urgente repensar a trajetória ambiental do Brasil para que o país assuma seu lugar de liderança na construção de um futuro justo, sustentável e inovador. Em vez de seguir na contramão do movimento global, o Brasil precisa estar na linha de frente das tecnologias limpas, das novas economias e das soluções que conciliam desenvolvimento com conservação. O mundo exige transformações profundas, e o Brasil deve ser protagonista de uma mudança positiva, não cúmplice da continuidade da tragédia. É hora de fortalecer, e não enfraquecer, a legislação ambiental brasileira. O futuro do Brasil, e do planeta, depende das escolhas que fizermos agora.