Evento fortaleceu protagonismo comunitário e avançou na regulamentação do manejo de quelônios como prática cultural e estratégia de conservação.
Por: Ana Cíntia Guazzelli/WCS Brasil, revisado por Nathália Messina/Instituto Juruá
Um encontro que vai muito além das paredes do auditório da Inspetoria Laura Vicuña, aconteceu em Manaus, de 24 a 26 de junho de 2025, a II Oficina de Manejo Sustentável de Quelônios, reunindo comunidades ribeirinhas, indígenas e quilombolas, pesquisadores, gestores e parceiros de diversas partes da Amazônia e da América Latina. O evento propôs um mergulho profundo nos saberes, práticas e desafios de quem vive o manejo de quelônios na floresta.
Confira aqui como foi a programação do evento
A proposta da oficina foi clara: avançar na construção coletiva de diretrizes para a regulamentação da coleta de ovos e indivíduos de quelônios amazônicos. E isso significa valorizar a prática cultural que há séculos garante alimento, renda e vínculo com o território para diversas populações tradicionais.
Ao longo de três dias intensos, os participantes compartilharam experiências comunitárias, refletiram sobre boas práticas e desafios da cadeia produtiva e apontaram caminhos concretos para a implementação e regulamentação do manejo. A programação incluiu plenárias, grupos de trabalho e uma feira de experiências que inspirou e fortaleceu redes de apoio mútuo.
No primeiro dia, o foco foi a troca de experiências e o compartilhamento dos resultados do I Workshop sobre o Manejo Sustentável de Quelônios, com destaque para as falas da Dra. Camila Ferrara (WCS Brasil) e do Dr. German Forero Medina (WCS Colômbia). Já o segundo dia, trouxe à tona os saberes locais e as práticas de monitoramento comunitário, com espaço para construir coletivamente os aprendizados e enfrentamentos na cadeia produtiva de ovos e quelônios.
Encerrando a oficina, o terceiro dia foi voltado à identificação de áreas piloto e ao debate sobre os próximos passos para garantir uma regulamentação que seja, ao mesmo tempo, eficaz e respeitosa com os modos de vida amazônicos. A ideia é simples, mas potente: fazer com que o manejo deixe de ser criminalizado e passe a ser reconhecido como uma estratégia legítima de conservação, segurança alimentar e geração de renda.
Para Marcos Amend, diretor-executivo da WCS Brasil, que participou da abertura do evento, esse processo é muito mais do que técnico. “É uma escuta ativa dos territórios, um reconhecimento do saber que emerge das margens dos rios e das práticas que há gerações cuidam dos quelônios. Estamos aqui para assegurar que esse cuidado se transforme em política pública, com segurança, dignidade e valorização cultural”, garantiu Amend.
“O manejo de quelônios é uma prática ancestral que precisa ser reconhecida como ferramenta legítima de conservação. Ao dar voz às comunidades, estamos construindo políticas públicas mais justas, baseadas em quem cuida da biodiversidade na prática, todos os dias”, disse Camila Ferrara, especialista em quelônios da WCS Brasil.
Como parceiro da oficina, João Vitor Campos-Silva, presidente do Instituto Juruá, explicou que: “A proteção dos tabuleiros de quelônios é uma das atividades de conservação mais eficientes da Amazônia. No entanto, a maior parte desse esforço está nos ombros das comunidades locais, que dedicam grande parte do seu tempo protegendo os tabuleiros 24 horas por dia”. Ele afirmou ainda que: “já passou da hora de encontrarmos uma solução para uma compensação financeira desse grande esforço que os comunitários dedicam à proteção dos quelônios, para que esses heróis da conservação possam continuar suas atividades com motivação e dignidade”.
Manoel Cunha, da Comunidade São Raimundo, no município de Carauari/AM, e gestor da Reserva Extrativista do Médio Juruá, acredita que “o manejo de quelônios é o único caminho real para garantir que essas espécies sigam existindo em abundância na Amazônia. Já provamos que o esforço comunitário é capaz de recuperar populações ameaçadas, mas esse esforço precisa se transformar em reconhecimento e em economia. Se não houver uma cadeia produtiva legal e bem estruturada, o desânimo toma conta e o risco volta. Esse evento é importante porque nos dá a chance de unir o conhecimento tradicional com o técnico e científico para construir, juntos, um modelo viável e justo de manejo”, garantiu Manoel.
A II Oficina foi realizada pela WCS Brasil, com a parceria do Instituto Juruá, Projeto Pé-de-Pincha e apoio do Bezos Earth Fund e da Gordon and Betty Moore Foundation. Esta oficina representa um espaço de escuta, construção de consensos e fortalecimento da sociobioeconomia amazônica, com quem está na linha de frente da conservação: as comunidades tradicionais.