No dia 25 de julho é comemorado o dia internacional da agricultura familiar. É época de celebrar a diversidade de alimentos, práticas de preparo, redes de colaboração, autonomia, cultura alimentar, e base de acesso e disponibilidade alimentar para muitas famílias que vivem na região amazônica.
Por: Paula Mulazzani Candiago
A agricultura familiar é a produção e obtenção de alimentos a partir de diferentes atividades agrícolas, florestais, de pesca e aquicultura e criação animal. A agricultura familiar possibilita o acesso e a disponibilidade a diferentes tipos de alimentos e garante ou aumenta a renda familiar.
São considerados agricultores familiares aqueles que praticam ou gerenciam atividades no meio rural principalmente por meio da mão de obra familiar. As características desses agricultores são muito variadas porque as propriedades rurais podem estar em diferentes ambientes naturais, mudarem em relação a quem está produzindo e o que está produzindo, com diferentes tecnologias aplicadas para essa produção.
Foto: Após a colheita da maniva, o ribeirinho as transporta em sua canoa pela floresta alagada. Autoria: Bernardo Oliveira (acervo do Instituto Juruá).
De acordo com o último Censo Agropecuário do IBGE (2017), a agricultura familiar é predominante no país, englobando 77% das propriedades e sendo responsável por boa parte dos alimentos consumidos na mesa dos brasileiros. A produção de alimentos essenciais no dia-a-dia das famílias, como arroz, café, banana, mandioca, abacaxi, feijão, milho é devido a essa forma de produção.
Hoje em dia, diferentes políticas públicas apoiam os pequenos produtores, fomentando uma produção de alimentos mais sustentável, permitindo incentivo financeiro, assistência técnica, compras governamentais e a manutenção da cultura alimentar. Além disso, temos diferentes formas de produção de alimentos, que permitem maior sustentabilidade ambiental, como a agroecologia, a produção orgânica, os sistemas agroflorestais (SAF) e os sistemas agrícolas tradicionais (SAT).
Na região amazônica, encontramos uma produção de alimentos que permite a autonomia de diferentes populações, fortalecendo a soberania alimentar e a resiliência frente aos extremos climáticos, além de incentivar a manutenção da cultura e da diversidade alimentar. Muitos conhecimentos da região são transmitidos por meio da oralidade e da prática, assegurando diferentes territorialidades.
Os agricultores familiares da região primeiro garantem a produção para seu consumo, e, após, vendem o excedente. A produção e obtenção dos alimentos está conectada com o modo de vida da região, onde o ciclo das águas determina o modo de agricultura e as adaptações tecnológicas que foram ocorrendo ao longo do tempo.
Dentre as diferentes formas de produção de alimentos na região, gostaríamos de destacar o SAT do Rio Negro, reconhecido como patrimônio cultural brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Esse sistema agrícola é um bem imaterial das comunidades indígenas da região do médio e alto rio Negro e envolve os saberes da roça, artefatos e comidas tradicionais. Os homens são responsáveis pela coivara – derrubada da mata ou capoeira, com posterior queima – e as mulheres são as responsáveis pela seleção de sementes e manivas – caules da mandioca – sendo as mães ou donas da roça. A mandioca assume um papel central no SAT do Rio Negro, onde foram identificadas mais de 140 variedades da Manihot esculenta. Além da mandioca, as roças são compostas de abacaxi, cana, pimenta, cará, banana, entre outros tubérculos e frutos. O local possui cultivo durante um período de dois a três anos e depois é gradualmente abandonado, apresentando um período de pousio. Esse sistema de grande agrobiodiversidade é fruto da organização social indígena pautado em redes de troca e cosmologias compartilhadas.
Mulher Baniwa cuidando de sua roça em Ucuqui Cachoeira. São Gabriel da Cachoeira, Amazonas. Autoria: Lorena França.
Os SAF de Tomé-Açú, no Pará, iniciaram nos anos 70 pela população imigrante japonesa, inspirados nos quintais com cultivo de árvores frutíferas e florestais de populações ribeirinhas. Diferentes consórcios foram sendo testados ao longo do tempo e os cultivos mais promissores foram gerando mosaicos de agroflorestas.
Na região do Médio Juruá, grande parte das famílias ribeirinhas têm como principal ocupação a agricultura. As roças de mandioca são feitas a partir da coivara e a produção da farinha mobiliza famílias, sendo a principal fonte de renda a partir da agricultura. A farinha constitui uma das principais culturas alimentares para a região. Além de consumida em conjunto com o peixe, pode ser consumida em mingaus, bolinho de farinha, chibé – água com farinha – tapioca e com o açaí.
Fotos: Etapas do preparo da farinha de mandioca. A mandioca, após ser pubada, é moída ou ralada. A massa de mandioca, então, é espremida e peneirada para, após, ir para a torra nos fornos típicos da região. Na foto, o morador do Pontão do Barrote, Sr. Cosminho, faz a torra da farinha no rio Juruá. Autoria: Bernardo Oliveira (acervo do Instituto Juruá).
Quando as águas do rio baixam e fertilizam as margens, permitem que nas “praias” de areia, sejam plantadas a melancia, o jerimum (abóbora), os feijões, entre outros, garantindo uma maior diversidade alimentar, diferentes fontes de nutrientes para a população, além de garantir a renda. As diferentes espécies de peixes compõem uma das bases alimentares da população, sendo o principal recurso alimentar em épocas ‘ruins de encontrar alimentos’. Ele é obtido por diferentes estratégias de pesca, como por meio da tarrafa e da flecha. A renda obtida a partir da venda do pirarucu manejado também vem se mostrando uma importante alternativa para a população da região.
Fotos: Milho no processo de secagem; pirarucu no processo de salga; e plantação de melancias nas praias de várzea, no rio Juruá. Autorias: Joseph Hawes; Paula Mulazzani Candiago (acervo do Instituto Juruá).
A agricultura, os recursos florestais e a criação de animais permitem a geração de renda, mas são principalmente a base alimentar dessa população. Apesar disso, ainda ocorre uma baixa concentração de renda e a insegurança alimentar na região. Isso demonstra o quanto os recursos devem ser otimizados para agregar valor à produção da agricultura familiar e assim ser observada uma melhora na renda e no acesso permanente aos alimentos, por meio da integração da mobilização social, políticas públicas e diferentes níveis institucionais.