O artigo faz um sobrevoo pelos modelos de governança, serviços ecossistêmicos e ambientais, o capital natural na Amazônia e compartilha experiências exitosas de uma bioeconomia com base extrativista no Médio Juruá, AM.
Por Bernardo Oliveira e Felipe Jacob Pires
A palavra futuro carrega consigo o peso da dúvida. O futuro é, por natureza, incerto. Mas de uma coisa podemos ter certeza: não há futuro viável para o país e para o mundo sem a Amazônia em pé. O que vai acontecer daqui para frente com a floresta está sendo construído agora. Construído pelas ideias de quem ousa projetar um mundo onde o respeito pela vida é prioridade.
Foi pensando em um futuro onde a Amazônia possa manter sua grandeza e desenvolver-se econômica e socialmente, envolvendo os povos da floresta nesse processo, que membros do do Instituto Juruá e da SITAWI, organizações que atuam na região do Médio Juruá, no Amazonas, desenvolveram o artigo “Amazônia no Século XXI: capital natural, desenvolvimento sustentável e justiça social”.
Em um contexto atual onde se coloca a Amazônia no centro das discussões globais sobre clima e ambiente, o estudo traz uma discussão sobre as estratégias para o desenvolvimento de um modelo mais sustentável para o bioma, levando em consideração não apenas seus ativos ambientais, mas também um olhar social e cultural da importância das populações tradicionais para a manutenção da floresta.
Um conceito central, abordado pelo artigo, para se pensar em um futuro vivo para a floresta é a bioeconomia. Segundo Felipe Jacob Pires, coordenador de programas territoriais da SITAWI , “existem diversas narrativas e entendimentos do que é a bioeconomia. Ela está relacionada, principalmente, ao contexto socioeconômico e ambiental da região.”
De acordo com Felipe, a bioeconomia é uma prática que se enquadra na perspectiva da economia verde, uma alternativa ao modelo econômico atual, que no último século causou tantos danos a nosso planeta, tanto do ponto de vista ambiental e climático, quanto do social. A bioeconomia na Amazônia propõe uma produção econômica sustentável, baseada em sua rica biodiversidade, que utiliza seus recursos biológicos, aliando a ciência e novas tecnologias para a produção de produtos mais sustentáveis.
Da bioeconomia surge outro conceito: a sociobioeconomia – uma oportunidade de se atrelar o contexto sociocultural amazônico aos paradigmas que irão ser construídos com os projetos de bioeconomia na região. Isso significa que os principais atores dessa nova forma de se pensar a produção econômica serão os povos que vivem na Amazônia e hoje ainda sofrem com as poucas possibilidades de obtenção de renda em regiões isoladas, longe das cidades.
O conhecimento ancestral dessas populações, que vivem de forma integrada à floresta há tanto tempo, usufruindo de seus produtos sem destruir o ambiente que os abriga, quando aliado ao conhecimento científico, permite o manejo adequado e eficiente dos inúmeros recursos naturais presentes na região.
Se enquadram nesse modelo econômico projetos como o manejo do pirarucu, a pesca sustentável do maior peixe de escamas de água doce do mundo, a extração de óleos vegetais como o óleo de andiroba e o do murumuru, a extração de seringa e muitas outras possibilidades de extrativismo consciente, que respeite a integridade do meio ambiente.
“A Amazônia tem um potencial imenso para geração de novas oportunidades de negócios utilizando seus recursos naturais. Já existe um movimento muito forte, envolvendo empresas, aceleradoras de negócios, poder público e diversas outras instituições, fomentando e apoiando iniciativas de negócios com um viés mais sustentável ou, como muitos dizem, negócios de impacto. Já se sabe que a floresta em pé é mais lucrativa que derrubada.”, explica Felipe.
Uma das questões colocadas pelo estudo é como as populações tradicionais, que geralmente estão no primeiro elo da cadeia, ou seja, coletando e pré-beneficiando a matéria prima, como o açaí, sementes vegetais, cacau, devem ser envolvidas na cadeia produtiva, garantindo seus direitos sociais e a partilha justa do excedente.
Aliar a ciência e tecnologia com o conhecimento tradicional nunca foi tão importante e urgente como é hoje. Há uma grande oportunidade de se criar um modelo de economia realmente sustentável, desenvolvendo novos produtos, gerando emprego e renda para essas populações e conservando a floresta.
Para Felipe, “os povos da floresta podem e devem ser beneficiados nesse modelo, nos investimentos para o fortalecimento da gestão de seus empreendimentos, no acesso a novas tecnologias de produção e em assistências técnicas rurais e na proteção de seus territórios.”
A região do Médio Juruá é um exemplo bem-sucedido de uma bioeconomia pautada na sociobiodiversidade. São vários os fatores e princípios ecológicos, sociais e institucionais que levam a região a ter um modelo notável de desenvolvimento sustentável, aliando a conservação da biodiversidade à geração de renda e ao bem-estar das populações locais.
Isso se dá pela presença de diversas associações comunitárias que se organizaram para viabilizar a proteção de seus territórios e a geração de renda para seus moradores, fomentando a participação de comunitários em diferentes cadeias produtivas e na conservação ambiental.
Outra proposta que o artigo traz é o pagamento por serviços ambientais. Sabe-se que a integridade da Amazônia é fundamental para a regulação do clima global e do regime de chuvas no Brasil. Os povos que vivem na floresta desempenham um papel fundamental para a manutenção dos benefícios que ela oferece. A ideia aqui é que essas pessoas possam receber por esse serviço, guardando seus territórios e conservando o meio ambiente.
Muitas vezes, em projetos de fomento a cadeias produtivas de base florestal, não se contabilizam o esforço e o investimento das populações na proteção e conservação dos locais de manejo dos recursos naturais. São exemplos como esse que devem ser considerados ao se pensar quem deve receber pelos serviços que estão sendo prestados para a sobrevivência da humanidade no planeta.
“Temos uma dívida histórica com a Amazônia e seu povo. E só teremos um desenvolvimento sustentável nesse bioma, quando olharmos ali dentro, no meio de uma floresta densa, entrecortada por sinuosos rios, as populações que ali residem.”, conclui Felipe.