Comunicação

Diálogo de Saberes: Pescadores e Organizações Unem Forças na Defesa dos Direitos dos Povos das Águas na Amazônia

Evento em Brasília reuniu comunidades pesqueiras, cientistas e gestores para discutir manejo participativo de pesca e justiça socioambiental; Instituto Juruá marcou presença com técnicos e pescadores colaboradores

Por Raphael Chicayban

Participantes do Diálogo dos Saberes em visita ao Congresso Nacional. Foto: Eduardo von Muhlen

Entre os dias 3 e 6 de fevereiro de 2023, Brasília foi palco de um encontro histórico para as comunidades pesqueiras da Amazônia. O evento “Diálogos de Saberes: Práticas para o Avanço do Manejo Participativo de Pesca na Amazônia Brasileira”, organizado pela Aliança Águas Amazônicas e pela Wildlife Conservation Society (WCS), reuniu pescadores, lideranças comunitárias, cientistas, gestores públicos e representantes de organizações da sociedade civil em um esforço coletivo para fortalecer a governança pesqueira e garantir os direitos dos povos das águas. O Instituto Juruá esteve presente no evento por meio  do coordenador da frente de Governança Territorial e Sociobioeconomia, Eduardo von Muhlen, e do especialista em manejo comunitário José Alves de Moraes “Silas”, que estava representando também a Associação de Moradores Agroextrativistas do Baixo Médio Juruá (AMAB). 

Esteve presente, também do território Médio Juruá, Francisco das Chagas Melo de Araújo “Seu Preto” representante da Associação dos Moradores Agroextrativistas da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Uacari (AMARU), com vasta experiência em manejo de pesca e conhecimento tradicional. O encontro, que já teve edições anteriores em países como Colômbia e Peru, chegou ao Brasil com o objetivo de integrar saberes tradicionais e científicos, promovendo o intercâmbio de experiências e a construção de estratégias para a defesa dos territórios pesqueiros e dos modos de vida tradicionais. 

Eduardo von Mühlen, José Alves de Moraes “Silas” e Francisco das Chagas “Seu Preto”, em uma visita à Câmara dos Deputados. Foto: Eduardo von Muhlen

A iniciativa é parte de um esforço maior da Aliança Águas Amazônicas para apoiar a governança pesqueira em escala regional, enfrentando desafios, como a pressão sobre os recursos naturais, a falta de regularização fundiária e a burocracia excessiva no acesso a políticas públicas. 

A Carta de Brasília: Um Manifesto pela Justiça Socioambiental

Um dos resultados mais emblemáticos do encontro foi a elaboração da Carta de Brasília, um documento que sintetiza as reivindicações e propostas das comunidades pesqueiras e tradicionais. Dirigida ao Estado brasileiro, aos órgãos governamentais e à sociedade civil, a carta emerge como um manifesto de resistência e um chamado à ação.

O texto denuncia a crescente pressão sobre os territórios das comunidades pesqueiras, destacando a importância da mobilização popular para impedir retrocessos e avançar na luta por dignidade e reconhecimento. Entre as principais demandas estão a regularização fundiária, a garantia de acesso ao Registro Geral da Pesca (RGP) e a implementação de políticas públicas que assegurem a soberania alimentar e combatam os impactos socioambientais gerados por grandes empreendimentos.

Sobre os desafios enfrentados pelas comunidades, Eduardo Von Mühlen reforçou:

“A falta de regularização fundiária é um problema histórico e que deixa as comunidades muito vulneráveis. Sem o reconhecimento legal dos seus territórios, elas ficam expostas a invasões, grilagem e grandes empreendimentos, como hidrelétricas e garimpo, que ameaçam não só o meio ambiente, mas também o modo de vida dessas pessoas. No caso do RGP, que é o documento que reconhece os pescadores e pescadoras, enfrenta diversos entraves burocráticos. Eles relatam que é difícil conseguir o registro, o processo é lento, e muitas comunidades indígenas e manejadoras ficam de fora. Isso impacta diretamente o dia a dia das pessoas, porque sem o RGP, elas não têm acesso a políticas públicas importantes, como o Seguro Defeso e outros benefícios previdenciários.”

A carta critica especialmente a precarização e a falta de transparência no RGP, instrumento essencial para o reconhecimento legal dos pescadores e pescadoras artesanais. A desatualização, a burocracia excessiva e a dificuldade de acesso ao registro comprometem diretamente a vida dessas comunidades, impedindo o acesso a direitos fundamentais, como o Seguro Defeso e outros benefícios previdenciários.

Diálogos e Incidência: A Voz dos Pescadores em Brasília

O evento foi estruturado em três eixos principais: diálogo, capacitação e incidência. No primeiro dia, os participantes compartilharam experiências e práticas de manejo participativo de pesca, mapeando iniciativas bem-sucedidas e identificando desafios comuns. Representantes de organizações, como o Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP) e o Coletivo do Pirarucu, destacaram a importância da união entre saberes tradicionais e científicos para a conservação dos recursos pesqueiros.

Seu Preto, representante da AMARU, compartilhou suas impressões sobre o evento:

“A minha ida para Brasília foi de suma importância. O Instituto me levou até lá para defender meu território, para ajudar nessa luta que nós estamos. O meu aprendizado lá foi muito grande, um aprendizado de respeito que eu tive, fui muito bem recebido, muito bem respeitado, e tivemos três dias de boas reuniões, muito bem discutidas. No primeiro momento, eu vi que nós mesmos conduzimos as pautas do encontro, construindo tudo que nós tínhamos que discutir, até formalizar uma fala para o Ministério da Pesca, para o Secretário do Meio Ambiente e para o IBAMA.”

Seu Preto de mãos dadas com Ulysses Guimarães. Foto: Eduardo von Muhlen 

No segundo dia, uma capacitação ministrada pelos parceiros Sapopema e TNC (Sociedade para a Pesquisa e Proteção do Meio Ambiente e The Nature Conservancy Brasil, respectivamente) abordou o tema “Gênero e Direitos relacionados às Águas Continentais”, reforçando a necessidade de incluir perspectivas de gênero nas políticas públicas e nas práticas de manejo.

Já no terceiro dia, o foco foi a incidência política. Gestores, cientistas e autoridades pesqueiras participaram de uma mesa redonda onde os pescadores apresentaram suas reivindicações e propostas. Entre os convidados estavam representantes dos Ministérios da Pesca e Aquicultura (MPA) e do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), além de pesquisadores de universidades federais e lideranças de associações e coletivos ligados à pesca. O Instituto Juruá teve papel ativo nessa discussão, apresentando demandas concretas e reforçando a importância do manejo participativo como ferramenta para a conservação e o desenvolvimento sustentável.

Seu Preto e Silas conversando com o Secretário Executivo do Ministério da Pesca, Edipo Araujo. Foto: Eduardo von Muhlen 

Conhecendo os Lugares de Poder

Como forma de encerrar o evento com um marco simbólico, no quarto dia os participantes visitaram pontos turísticos e cívicos de Brasília, incluindo as sedes do MPA e do Congresso Nacional. A atividade,teve um caráter educativo, permitindo que pescadores de regiões isoladas da Amazônia conhecessem os locais onde são tomadas as decisões que impactam diretamente suas vidas. Para os representantes do Instituto Juruá, a visita foi uma oportunidade preciosa de aproximação com os espaços de poder e de reflexão sobre a importância da incidência política na defesa dos direitos das comunidades tradicionais.

Seu Preto refletiu sobre sua experiência:

“Conheci uma cidade muito bonita e maravilhosa. Trago para a minha comunidade o modelo de Brasília, e a importância de onde está o nosso presidente atual hoje e todos os ministérios que podem estar dentro do nosso orçamento, porque precisa fortalecer a nossa base. Eu aprendi muito, e tenho certeza que o Instituto Juruá foi mais um parceiro muito importante que vai nos ajudar, nos dar muita força para que nós possamos fortalecer as nossas comunidades.”

Um Chamado à Ação

O “Diálogos de Saberes” reforçou a importância da união entre comunidades tradicionais, cientistas e gestores públicos na defesa dos territórios pesqueiros e dos modos de vida tradicionais. A Carta de Brasília, fruto desse encontro, é um chamado urgente ao Estado brasileiro para que assuma compromissos concretos na garantia de direitos e na proteção dos povos das águas.

O Instituto Juruá, ao participar ativamente do evento, reafirmou seu compromisso com a conservação da biodiversidade amazônica e com o fortalecimento das comunidades tradicionais. Enquanto as comunidades pesqueiras seguem resistindo, eventos como esse mostram que a união de saberes e a mobilização coletiva são ferramentas poderosas na luta por justiça socioambiental e territorial. A Amazônia, com sua imensa biodiversidade e riqueza cultural, merece e precisa de políticas públicas que respeitem e valorizem seus guardiões tradicionais.

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