Comunicação

Encontro de Mulheres Manejadoras de Pirarucu: fortalecendo redes e identidades

Após 25 anos de implementação do manejo sustentável do pirarucu, pela primeira vez mulheres manejadoras do Amazonas se reúnem em coletivo de abrangência estadual para fomentar a reflexão, o debate e trazer visibilidade às pautas de gênero na atividade

Por: Nathália Messina

Foto: Talita Oliveira/OPAN

Neste junho de 2024, além do Dia Mundial do Meio Ambiente, nós também iniciamos as celebrações para os 25 anos de manejo do pirarucu! Sim, são 25 anos de uma história repleta de conquistas travadas entre as batalhas cotidianas dos povos das águas e das florestas e seus aliados. As primeiras comemorações foram idealizadas pelo Ibama e o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM) junto ao Coletivo do Pirarucu, do qual o IJ faz parte. 

Em meio a esta jornada histórica, percebemos uma luta que vem despontando nos últimos anos, ecoada pelas vozes, mãos e corações das mulheres manejadoras de pirarucu. Elas muitas vezes enfrentam desafios de invisibilização de seus trabalhos, porém na atividade econômica do pirarucu de manejo, o cenário de valorização da mulher vem progredindo. Uma pesquisa liderada por Carolina Freitas publicada em 2020 revelou que uma comunidade que maneja o pirarucu tem 77% de chance de remunerar as mulheres na pesca, mas esse número cai para 8% nas comunidades pesqueiras onde não há o manejo. Outra pesquisa realizada em 2022 pela ASMAMJ (Associação das Mulheres Agroextrativistas do Médio Juruá), Instituto Juruá e parceiros aponta que 38% das mulheres e 38% dos homens extrativistas do Médio Juruá discordam completamente da afirmação que ambos os gêneros tem habilidades e capacidades iguais para desenvolverem atividades ligadas ao pescado, porém, a mesma pesquisa expõe que elas estão expressivamente presentes em quase todos os elos desta cadeia, incluindo a etapa da captura do peixe na água, e mais expressivamente na etapa de beneficiamento do peixe capturado. Ou seja, não é que as mulheres não participem nem sejam habilidosas na pesca; elas só não são reconhecidas por isso.

Diante desses e outros estudos, compreendemos que a gestão compartilhada dos recursos pesqueiros, com foco no manejo do pirarucu, representa uma importante alavanca para o empoderamento das mulheres nas comunidades tradicionais da Amazônia.

Neste contexto histórico de mais de duas décadas de luta e reconhecimento, o Coletivo do Pirarucu, que reúne diversos perfis e organizações para debater pautas importantes do manejo, formou um grupo de trabalho (GT) em novembro de 2023, denominado GT Gênero, Juventudes e Intersecções para dar visibilidade à diversidade no manejo, com foco em mulheres, juventudes e outros grupos sociais invisibilizados. 

A primeira ação estratégica do GT empenhou esforços no grupo das mulheres, por meio do “Encontro de Mulheres Manejadoras de Pirarucu: Fortalecendo Identidades e Redes“, realizado nos dias 8 e 9 de junho em Manaus, como abertura da 11ª Reunião do Coletivo do Pirarucu, de 10 a 12 de junho, que integrou o “Seminário de Vigilância Comunitária e fiscalização nas áreas de manejo do pirarucu no Amazonas” e culminou nas Celebrações dos 25 anos de manejo no Amazonas, de 13 a 14 de junho, tendo elas participado do início ao fim de todos os eventos.   

Com 35 mulheres presentes, 1 criança e 2 homens, de 9 territórios¹ distintos do Amazonas, 10 organizações de base e 9 organizações parceiras, o Encontro contou com uma programação rica, que permitiu um intenso processo de aprendizagem, empoderamento, trocas de experiências, criação e consolidação de vínculos. “Tô muito alimentada de expectativas, na certeza de que as mulheres manejadoras tem um coletivo que podem olhar por cada uma e ajudar no empoderamento para se criar um futuro que possa trazer valorização para o trabalho de todas nós, mulheres e jovens.” Vânia da Silva de Souza, Comunidade Japurá, Médio Purus, entrevistada por Maria Cunha, comunicadora local do Instituto Juruá. 

Além das dinâmicas de integração, acolhimento e promoção da confiança para a oratória e o debate, uma das atividades do Encontro abordou uma metodologia participativa sobre o que é empoderamento e desempoderamento comunitário, que foi adaptada por Ana Luiza Violato Espada, do Serviço Florestal dos Estados Unidos, durante seu doutorado e novamente adaptada para o contexto das mulheres manejadoras de pirarucu, conforme alinhamento com o GT. A partir disso, também foi possível identificar quais são as percepções das identidades das mulheres que manejam pirarucu e os papéis de gênero que, na prática, vem sendo atribuídos nesta cadeia.

Outro destaque da programação foi a palestra da Profª Dra. Edna Alencar (UFPA – Universidade Federal do Pará e IDSM) intitulada “Pescadoras artesanais e a gestão social de recursos pesqueiros na Amazônia: renda, conservação ambiental e resiliência”, que trouxe dados sociodemográficos de 192 pescadoras manejadoras, afora outras pesquisas próprias e de especialistas citados, que apresentam questões sobre a invisibilidade histórica do trabalho das mulheres na pesca, buscando discutir barreiras que impedem a equidade de gênero, além de temas como a justiça/equidade processual e distributiva no acesso aos recursos pesqueiros, aos espaços de tomadas de decisão e à renda no contexto do manejo, dentre outros pontos.

Estou saindo totalmente alimentada de conhecimento, muito certa de que as mulheres podem fazer muita diferença nos seus territórios e quero repassar para elas que podemos ocupar espaços maiores e nos fortalecer mais.” Kamelice Paumari, da Associação Indígena do Povo das Águas (AIPA), Terra Indígena Paumari do Rio Tapauá, em entrevista à Maria Cunha. 

O Encontro também trouxe atividades lúdicas, como cinema, troca de lembranças do lugar de origem e a metodologia Dragon Dreaming do círculo dos sonhos, denominada no evento de Sonhos Coletivos, que, por sua vez, trouxe subsídios para se pensar as questões de gênero e juventude nas pautas e atividades do Coletivo do Pirarucu.

Como encaminhamento, o GT seguirá se reunindo mensalmente de forma remota para trabalhar suas estratégias e ações transversais ao Coletivo, em busca da equidade de gênero no manejo do pirarucu, tendo como foco inicial a valorização das mulheres e, posteriormente, atuação direcionada para juventudes e outras identidades de gênero. 

Me vejo agora, totalmente fortalecida para enfrentar com mais força os desafios que enfrento no meu território, na minha comunidade, e no manejo do pirarucu, por ser uma mulher, praticamente sozinha representando o trabalho feminino dessa cadeia na minha comunidade.  (…) Gostei muito, e acredito que esse GT Gênero, Juventudes e Intersecções é a voz que faltava para as mulheres manejadoras ocupar seu espaço de direito (…)!” Ivaneide Souza Lima, da Comunidade Botafogo, RESEX Baixo Juruá, em entrevista à Maria Cunha.

O Encontro foi organizado pelo Coletivo do Pirarucu, por meio do GT Gênero, Juventudes e Intersecções, e contou com o apoio do Serviço Florestal dos Estados Unidos (USFS) e da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), que já atua no apoio e fortalecimento das cadeias de valor e povos da Amazônia há mais de uma década.

¹Territórios presentes: 1 – Baixo Rio Negro (RESEX Unini); 2 – Baixo Juruá (RESEX BJ); 3 – Médio Juruá (RESEX MJ, RDS Uacari, Acordo de Pesca de Carauari); 4 – Médio Purus (RESEX MP); 5 – Médio Purus (TIs Paumari); 6 – Médio Solimões; 7 – Alto Solimões (Jutaí); 8 – Alto Solimões (TI Uati Paraná); 9 – Médio Javari (TI Vale do Javari). Os 9 territórios mencionados são delineados para além da compreensão do espaço geográfico, dos limites administrativo-políticos, da bacia ou sub-bacia hidrográfica. Compreende-se território aqui em um contexto simbólico e biocultural, moldados por grupos sociais que se identificam com sua terra e seu lugar de pertença. 

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