Por Andressa Scabin
Paulo Apóstolo Costa Lima Assunção, mais conhecido pelos amigos como “Paulo Boca”, nasceu em 1956 em Marabá no Pará. Durante a década de 80 o jovem Paulo trabalhou garimpando ouro em Serra Pelada, juntou suas economias e pegou um barco até Manaus com a ideia de comprar mercadorias na Zona Franca para abrir uma loja de eletrônicos em sua terra natal, mas logo em seu primeiro dia em Manaus, ele sofreu um assalto e os ladrões levaram todo seu dinheiro.
Tempo depois, por meio de conhecidos Paulo ficou sabendo que o Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) estava contratando ajudantes de campo, os chamados “mateiros” e resolveu se candidatar à vaga. Foi então que no ano de 1986 teve início a carreira de um dos mais reconhecidos parabotânicos da Amazônia.
Logo em uma de suas primeiras missões, Paulo se destacou quando foi designado para trabalhar em um subprojeto liderado pelo pesquisador Scott Mori, do Jardim Botânico de Nova York, especialista da família Lecythidaceae, a família botânica da castanha-do-Brasil. Com esse trabalho, Paulo contribui para praticamente dobrar o número de espécies descritas para essa família na Amazônia, de acordo com Mike Hopkins, botânico do INPA, em entrevista para o jornal Folha de São Paulo.
Em 1993, foi contratado para o Projeto da Flora da Reserva Ducke no qual trabalhou por 6 anos junto com o pesquisador Mike Hopkins. A equipe da qual ele fez parte produziu uma das mais importantes referências para identificação de plantas amazônicas, a “Flora da Reserva Ducke: Guia De Identificação Das Plantas Vasculares De Uma Floresta De Terra-Firme Na Amazônia Central.”
Foram mais de três décadas de muitas expedições nas florestas seguidas por imersões no herbário do INPA que fizeram Paulo acumular uma vasta experiência na identificação de espécies de plantas. A combinação entre seu olhar diferenciado da mata e o conhecimento científico que ele foi adquirindo de maneira autodidata, nas coleções botânicas e na conversa com pesquisadores, fez com que Paulo se tornasse um dos parabotânicos mais requisitados para identificação de plantas em todo Brasil, atuando em diversos projetos de pesquisa e consultorias ambientais.
Apesar de não ter tido a oportunidade de se formar a nível superior, o trabalho de Paulo ajudou a formar dezenas de mestres e doutores e possibilitou a publicação de importantes pesquisas científicas, apresentando a imensa diversidade da flora Amazônica para todo o mundo. Como disse o pesquisador Beto Vicentini do INPA, “Paulo não foi formado nelas [universidades], mas foi sim um professor nelas”.
No Médio Juruá ele foi responsável pela identificação de espécies de plantas em dois projetos de doutorado, a pesquisa conduzida por Yennie Brendin que investigou as florestas de várzea e o seu potencial de estocagem de carbono e o projeto de Andressa Scabin sobre o efeito da caça de animais silvestres na regeneração florestal e estoques de carbono em floresta de terra firme. “O que parecia uma missão impossível nós conseguimos! Foram mais de 13.000 plantas marcadas e identificadas pertencentes a cerca de 850 espécies amostradas em 7.5 hectares distribuídos em uma área cuja distância fluvial era de aproximadamente 800 km!!! Os quais percorremos de barco, voadeira, canoa e até de quadriciclo para acessar as parcelas na cidade de Itamarati. Em todos os lugares que passávamos Paulo era conhecido como o cara que conhece todas as plantas”, afirma Andressa Scabin.
No último dia 12 de janeiro perdemos para a Covid-19 o nosso grande amigo e mestre Paulo Boca. A botânica brasileira está de luto. Profissionais como Paulo são muito raros e exigem uma vida de dedicação para serem formados. Contudo, o legado de Paulo permanecerá eternamente não somente em toda ciência que ele ajudou a produzir, em todos os pesquisadores que ele treinou, mas também nos jovens que ele inspirou. É nesses jovens que reside nossa esperança de que surjam profissionais que tragam esse olhar diferenciado da mata, cujo conhecimento seja construído pela intimidade, admiração e curiosidade pela floresta.
Dentre esses jovens está Paulo Samuel Assunção, 22 anos, filho do meio de Paulo que já seguia os passos do pai e teve a oportunidade de acompanhá-lo em algumas expedições. Em suas palavras, “Decidi que quero seguir a carreira de meu pai. Sei que vai ser difícil e nem tenho pretensão de ser tão bom quanto meu pai, mas vou me dedicar ao máximo e aproveitar o mestre que tenho dentro de casa”.