COMUNICAÇÃO

De: Amazônia
Para: Márcio Ayres

Por Tuila Tachikawa 

Olá Márcio, biólogo e naturalista brasileiro, figura importantíssima quando se trata de conservação, mais ainda quando a conservação abrange também o olhar para o outro. O olhar para as comunidades, para as tradições, para as histórias, para mim. 

Gostaria de relembrar um pouco de sua trajetória: apaixonado por primatas, você fez seu mestrado com ênfase em primatologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), e seu doutorado, sobre os Uacaris brancos e a minha floresta inundada, na Universidade de Cambridge. 

Durante seu doutorado, procurou por entre meus vastos territórios, uma região pouco habitada. Pretendia observar com maior fidedignidade possível o comportamento dos meus uacaris. Abrigo diversas espécies desse gênero de primata em meus galhos, e queria te contar que uma delas recebeu em seu nome, uma homenagem a você! É uma espécie de uacari-preto, identificado em 2008 e nomeado Cacajao ayresi, viu ali seu sobrenome?  

Pois é Márcio, acho que deu pra perceber sua importância para nós, e o quanto significa a sua passagem pela Terra para mim. 

Por ter estudado tanto minhas várzeas, você foi além. Preocupado com o desmatamento ilegal e a pesca intensiva, foi peça chave na criação da Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Mamirauá e do Amanã, que significam não apenas modelos de conservação, mas projetos que unem a proteção da biodiversidade aos anseios sociais das comunidades que me habitam.  Pensando sempre nessa união, uma vez você disse “O alívio da pobreza na Amazônia só pode ser feito se diminuirmos a migração da zona rural para as grandes cidades. Para mantermos a população na zona rural, além de darmos infraestrutura escolar, sanitária e médica, precisamos manejar os recursos de forma sustentável, com bases científicas sólidas”.  Mais do que isso, você também participou da criação do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM), que veio a construir um dos projetos mais revolucionários em termos de conservação no meu território: o manejo de base comunitária do pirarucu!

Sempre à frente de seu tempo, você já sabia que a relação dos humanos com a natureza não se sustentaria em um modelo predatório. Hoje vivemos uma pandemia, governos me usurpam, bancos “investem” em mim e meu território é muitas vezes visto como moeda de troca. Boiadas pisoteiam e compactam minha terra e meu povo luta pelo direito de morar, de viver, de existir. 

Mas o que esquenta meu coração, Márcio, é saber que, assim como você, e talvez até por você, muitos entendem o meu significado, compreendem minha vastidão, e esbravejam pela minha existência. 

Muito obrigada José Márcio Corrêa Ayres, que sua memória resida sempre em mim, em nós. 

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