Pela primeira vez, foram identificadas áreas na Amazônia brasileira que devem ser priorizadas para a conservação de onças-pintadas e destacam o papel fundamental das Unidades de Conservação e Terras Indígenas.
Por Juliano Bogoni
O maior felino das Américas — a onça-pintada (Panthera onca) — já perdeu metade de sua área de distribuição histórica, que ia do Texas (EUA) ao norte da Argentina. Atualmente, as onças só prosperam em grandes remanescentes de floresta, mas as ameaças a essa majestosa espécie não param de crescer. A Amazônia representa o maior reduto de onças-pintadas, representando 2/3 de sua distribuição atual (cerca de 9 milhões de km2), a maior parte no território brasileiro. Só o Brasil abriga mais de 50% de todas as onças selvagens. Uma vez que as onças-pintadas são espécies “emblemáticas” (por serem carismáticas, agem como embaixadoras) e “guarda-chuva” (selecionadas para elaborar decisões relacionadas à conservação), muitas outras espécies podem se beneficiar dos esforços de conservação focados neste felino simplesmente por habitarem as mesmas regiões.
Para uma onça-pintada viver bem, é necessária uma área de dezenas de km2, por isso, a sua conservação a longo prazo requer abordagens de planejamento em grande escala e que incluam redes de áreas protegidas (UCs) e corredores. Isto, sobretudo, na Amazônia que está em constante encolhimento, cada vez mais ameaçada por incêndios, caça e desmatamento impulsionado pela pecuária, agricultura, mineração e expansão de infraestrutura. Por exemplo, paisagens dominadas por pastagens representam uma grande ameaça para onças-pintadas, pois até 150 grandes felinos podem ser mortos anualmente por meio de iscas como carcaças envenenadas e até mesmo pela perseguição direta por caçadores de recompensas. Essas práticas se tornaram mais comuns com o relaxamento da aplicação das leis ambientais durante o governo Bolsonaro.
Pela primeira vez, pesquisadores identificaram áreas protegidas na Amazônia brasileira que devem ser tratadas como prioridade para a conservação desta espécie. O estudo que liderei, em parceria com um time de pesquisadores, foi publicado na Revista Nature e quantifica as principais ameaças às onças-pintadas em 447 Unidades de Conservação da Amazônia brasileira, incluindo 330 reservas indígenas. As principais ameaças avaliadas incluem densidade populacional humana, estradas, pastagens, focos de incêndio, desmatamento e áreas de mineração. Com isso, identificamos UCs que precisam de ações de conservação imediatas para salvaguardar as onças-pintadas, em casos em que haja grandes populações do felino em locais com altos níveis de ameaça humana. As 447 áreas analisadas somam 1.755.637 km², o que representa 41,7% da Amazônia brasileira, e abrigam, conforme estimativas, 26.680 onças-pintadas. Só as reservas indígenas abrigam 63,2% do número total de onças-pintadas em todas as UCs analisadas, o que monstra a enorme importância das populações tradicionais na proteção da biodiversidade brasileira.
O nosso estudo identificou as 10 principais áreas protegidas que devem ser priorizadas para esforços imediatos de conservação da onça-pintada e 74 áreas adicionais que devem ser priorizadas para ações de curto prazo. Muitas delas estão localizados na fronteira do desmatamento ou perto de importantes fronteiras com países vizinhos como, por exemplo, Amazônia peruana, colombiana e venezuelana. Estas são as UCs mais pressionadas pelo desmatamento, incêndios e outras ameaças iminentes. As top-10 UCs somam um total de 25.254 km2 (1,5% da área total), mas podem abrigar uma estimativa conservadora de mais de 3 mil onças. Se considerarmos as 10 áreas prioritárias mais as 74 áreas prioritárias de curto prazo, essas 84 áreas poderiam proteger mais da metade (53,1%) da população total de onça-pintada nas UCs amazônicas.
O futuro das onças-pintadas, mesmo nas regiões mais preservadas, como a Amazônia, só é garantido em áreas protegidas onde as restrições de uso da terra podem ser rigorosamente aplicadas e que, então, podem resistir à pressão política implacável para reduzir, rebaixar e desclassificar as UCs. As áreas protegidas são essenciais para proteger a biodiversidade, mas estão sob múltiplas pressões geopolíticas e seus arredores são, de forma geral, extremamente degradados. Atualmente, o governo brasileiro investe menos de um dólar por km2 em todas as áreas protegidas sob jurisdição estadual e federal, sem incluir as terras indígenas. Com as recentes eleições e a mudança de presidência, há novas esperanças para a Amazônia brasileira e as onças-pintadas, graças a uma maior vontade política de proteção ambiental. Nós, autores do estudo, recomendamos aumentar o financiamento para áreas protegidas, especialmente aquelas identificadas como de alta prioridade, bem como a construção de um grupo forte e integrado de políticas e marcos legais que não deixam espaço para redução e desclassificação de áreas protegidas. Sugerimos também maior financiamento e apoio para agências ambientais como IBAMA e ICMBio, que sofreram cortes significativos nos últimos anos e um apoio adequado às terras indígenas que fortaleça a participação dos povos indígenas nas decisões e gestão de seus territórios, pouco estudados sob a ótica da biodiversidade. É fundamental estabelecer estruturas participativas e robustas de monitoramento da onça-pintada e da biodiversidade nestas áreas, incentivando a governança local.
Considerando, ainda, que a onça-pintada é uma espécie de ampla distribuição e vulnerável à perseguição humana devido à depredação de gado, por exemplo, ações de conscientização e mitigação do conflito entre seres humanos e onças-pintadas dentro das UCs e suas zonas de amortecimento são de vital importância. Com o agravamento das mudanças climáticas, a prevenção e o gerenciamento de incêndios também se tornarão cada vez mais cruciais. Por fim, a conservação não tem futuro a menos que as comunidades locais se beneficiem dela, portanto, precisamos continuar aumentando os benefícios que as pessoas percebem da onça-pintada e das florestas preservadas, por exemplo, por meio do turismo ou de produtos florestais não madeireiros. Conservar onças significa conservar a Amazônia, com importantes benefícios globais.