Comunicação

UM OLHAR NA EDUCAÇÃO NO TERRITÓRIO MÉDIO JURUÁ

Neste dia Nacional da Educação, queremos chamar atenção para a importância da garantia desse direito nos territórios, como uma ferramenta de emancipação, autonomia e autodeterminação de suas populações.

Por: Marcos Cunha, comunidade São Raimundo, Carauari/AM – Pedagogo e mestrando em Antropologia Social pela UFAMMaria Phamela Barbosa, Manaus/AM – Bióloga e Educadora Socioambiental no Instituto JuruáRodrigo Carmino, comunidade do Roque, Carauari/AM – Pedagogo Quilvilene Cunha, comunidade São Raimundo, Carauari/AM – Pedagoga e Coordenadora de Projetos na ASPROC.

A Educação é uma pauta que desperta tensões e preocupações por todo o Brasil, todos os anos. De acordo com o último censo (2022) publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a região Norte do país lidera o ranking das piores posições em relação ao sistema educacional. Os motivos são diversos, que vão desde a dificuldade de acesso em algumas localidades, à falta de profissionais e de infraestrutura adequada. Para além de uma série de desafios logísticos, socioeconômicos e etnicoraciais, as populações amazônicas precisam lidar com as consequências e combater o descaso do Estado na omissão de seus direitos à Educação. Além disso, os sensos também evidenciam as desigualdades etnicoraciais no acesso à educação na região Amazônica.

No início deste ano, o país pôde acompanhar a incidência do movimento indígena na tentativa bem sucedida de reverter a aprovação do projeto pelo governador do Pará, Helder Barbalho, para esvaziar a educação presencial em comunidades remotas. A lei 10.820/24 permitia o ensino à distância em aldeias. Tudo o que enfrentamos ainda hoje, nada mais são, do que um reflexo do histórico colonial na Amazônia, e da falta de políticas públicas específicas que garantam os direitos às populações periféricas, sejam elas urbanas, rurais ou ribeirinhas.

Fazendo um recorte sobre a realidade do Território Médio Juruá, apesar de ser um território modelo de luta, conquistas e organização do movimento social, ainda há alguns quilômetros de rio a serem percorridos em termos de Educação.

Neste dia Nacional da Educação, queremos chamar atenção para a importância da garantia desse direito nos territórios, como uma ferramenta de emancipação, autonomia e autodeterminação de suas populações.

A escola é muito mais que um instrumento para a escolarização, nessa ideia colonizadora de codificar e decodificar letras e números, numa tendência tecnicista de formar mão de obra para o capital. A escola em seu processo educativo precisa ser um instrumento para o fortalecimento do sujeito como ser social em conformidade com sua cultura. Diante dessa perspectiva, é propício refletir como é essa escola em Carauari-AM e como acontece esse processo educativo.É propício comentar que temos avanços visíveis nesse contexto, estando diretamente ligado à força de vontade dos administradores.

Mas também é possível observar que essa educação é pensada para obedecer ao sistema educativo, como observado nos três estágios, e uma preparação para comprimento de metas ligadas a uma média estabelecida, como a prova do SAEB, e com o conhecimento sendo medido por avaliações de múltiplas escolhas, seguindo a regra do capital que elege a escola como um único espaço de aprendizagem.

A educação continua sendo reproduzida seguindo esse sistema educacional, que está muito mais preocupado com o ensino, que é o repasse de conteúdo, do que com a aprendizagem, que é essa troca de conhecimento por meio do diálogo.

É preciso ficar atento, por que esse modelo acaba se tornando colonialista, por ser pensado de cima pra baixo sem visualizar a realidade dos sujeitos, sem potencializar os seus territórios, saberes, culturas, costumes e crenças, levando o de fora como melhor, como se ser seringueiro, agricultor, pescador e coletor de sementes fosse algo ruim, que é preciso eles aprenderem, para serem algo diferente e não serem como os pais deles.

A educação, seja ela na cidade ou na zona rural, precisa levar essa perspectiva de que não se absorve conhecimento e sim se socializa, se constrói e se compartilha; pensar que todo espaço se produz conhecimento, e que esse processo de aprendizagem busque ser pensado e construído junto com os sujeitos. Uma educação pensada e construída com eles e para eles, que possa fortalecer e potencializar a identidade social e cultural de seus territórios, para que se tenha clareza de como ocupar, organizar e crescer dentro de suas realidades.

Desafios e Caminhos para uma Transformação Necessária

A região do Médio Juruá, no coração da Amazônia, enfrenta realidades educacionais únicas, moldadas por sua geografia isolada, diversidade sociocultural e condições socioeconômicas muitas vezes precárias. Professores frequentemente atuam em regime temporário ou sem formação adequada para lidar com as especificidades locais. Os jovens têm seu acesso ao ensino médio e superior limitado, e muitos precisam abandonar os estudos para contribuir com o sustento familiar – seja na roça, no extrativismo ou na pesca. Essa situação reflete um cenário comum em grande parte da Amazônia rural: o abandono do poder público, a riqueza cultural negligenciada e a falta de investimentos que garantam educação digna. Mas a educação no Médio Juruá vai muito além da sala de aula. Ela é ferramenta de resistência, ponte para o desenvolvimento sustentável e guardiã de saberes ancestrais. Quando contextualizada, ajuda a preservar conhecimentos indígenas e ribeirinhos sobre medicina da floresta, manejo sustentável dos recursos e agricultura tradicional. Não se trata apenas de repassar conteúdo, mas de fortalecer a identidade das comunidades e abrir caminhos para um futuro com mais autonomia.

Imagem ilustrativa, crianças mostrando desenho feito a partir da sua percepção sobre seu território. Foto: Joseph Hawes.
Imagem ilustrativa, desenho feito por uma criança do Território Médio Juruá. Foto: Bernardo Oliveira.

A educação que se trabalha no nosso território ainda é a partir da visão do colonizador para os “colonizados”. Os poucos materiais didáticos que chegam às escolas são descontextualizados e desatualizados. Geralmente, são editoras de São Paulo com a realidade cem por cento urbana. E não quer dizer que conhecer outras realidades não seja importante, mas que precisa cumprir a lei da nova LDB, que diz sobre: 60% dos conhecimentos universais e 40% da realidade dos sujeitos. Se faz necessário incluir no processo educacional componentes curriculares a partir do chão da escola; estudar o próprio território, suas origens, identidade cultural, os saberes ancestrais, etc.

Quando se fala em uma educação contextualizada com a identidade dos sujeitos, não é apenas mudar as letras do alfabeto e alguns conceitos para a linguagem cultural. Trata-se de uma educação emancipatória, autônoma, com sujeitos críticos-reflexivos de sua realidade, com capacidade de buscar mudanças/alternativas para a garantia de uma vida com justiça social no lugar em que vivem e produzem suas existências.A educação é um direito de todos (Art. 205 da Constituição Federal), e quando é feita de uma forma não domesticadora, é a maior ferramenta de mudanças sociais, transformação de realidades para a libertação de mazelas impostas pelo sistema capitalista que oprime, manipula e mata por negação de direitos. No entanto, os obstáculos são muitos:

  • Dos professores que atuam na rede, a maioria é da cidade, com pouquíssimo interesse em pesquisar e se familiarizar com a história e a identidade das comunidades ao longo do rio Juruá;
  • Falta de formação de professores específica na área;
  • Falta de recursos didáticos;
  • Falta de materiais pedagógicos contextualizado;
  • Falta de uma lei municipal que limite a quantidade de turmas em salas multisseriadas;
  • Merenda escolar quase 100% industrializada;
  • Estruturas de algumas escolas precárias e incompatível com a realidade (ex: escolas de alvenarias, todas fechadas, sem ventiladores)
  • Currículos engessados que ignoram a realidade local;
  • Dificuldade de fixar professores na região.
Imagem ilustrativa, parede de uma escola do Território Médio Juruá. Foto: Luana Carolina de Almeida.

Nos perguntamos então: Como manter o interesse dos alunos se o que é ensinado parece distante de suas vidas? Apesar dos desafios, há esperança. É possível transformar a educação no Médio Juruá, desde que haja políticas públicas efetivas, investimento em formação docente específica e, principalmente, ouvir as comunidades. Algumas mudanças e perspectivas urgentes incluem:

  • Escolas dignas: com energia solar, água potável, banheiros e bibliotecas;
  • Formação de professores: capacitação continuada em educação intercultural e metodologias ativas;
  • Autonomia pedagógica: calendários escolares adaptados aos ciclos da natureza e participação das comunidades na construção do ensino.
  • Criar uma lei que impeça ter mais de 3 anos/série na mesma turma (formato de classes multisseriadas);
  • Que as escolas tenham a soberania alimentar local garantida, com merendas regionalizadas;
  • Toda a comunidade envolvida na vida escolar.

Sem pressão organizada, a educação na região continuará sendo um sistema excludente, que não dialoga com a realidade amazônica. Precisamos reivindicar por projetos de leis que busquem garantir que essas questões que foram colocadas como perspectivas, venham se cumprir de fato. Considerando que todas as comunidades têm o formato de escolas/ classes multisseriadas, que é uma forma de organização escolar em que estudantes de diferentes anos/séries estudam na mesma sala para o único professor. Embora exista uma visão negativa quanto a essa categoria de ensino, a multissérie é a única forma de garantir que em lugares distantes, isolados, de poucas densidades populacionais, tenham escolas. Neste sentido, vale destacar que a Multissérie não é algo ruim, mas precisa ser ressignificada. Faz-se necessário parar de trabalhar o modelo de seriação que é uma educação bancária, alienadora, peneiradora, onde sua principal função é formar marionetes para serem empregados dos ricos. E ressignificar a escola multisseriada, trabalhando com temas geradores, interdisciplinaridades e com práticas pedagógicas nos moldes freiriano, onde a Pedagogia do Campo tem como bases educacionais as pedagogias: do oprimido, da autonomia, da libertação e as pedagogias que vem nascendo no movimentos sociais, como a pedagogia da ancestralidade, da terra, dos saberes tradicionais

Colagem feita a partir de fotos do acervo do Instituto Juruá. A colagem representa a esperança de uma Educação digna para o Território Médio Juruá. Colagem: Maria Phamela barbosa.

Com a verdadeira união entre movimentos sociais, lideranças locais e instituições comprometidas, o Médio Juruá pode se tornar exemplo de como a educação realmente transformadora acontece: com raízes na terra, voz do povo e compromisso com o futuro da floresta e de quem nela vive.

Refs.: https://amazonia2030.org.br/educacao-na-amazonia-legal/https://amazoniareal.com.br/revogacao-da-lei-10820/

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