Comunicação

A associação de mulheres do Juruá, com Quilvilene da Cunha

Por Clara Machado

As mulheres extrativistas têm a sua liberdade limitada seja pela obediência que devem ao pai e, depois do casamento ao marido, seja pela falta de decisão sobre como gastar a renda produzida de forma coletiva pela família. Apesar de participarem das tarefas do roçado, da pesca e do extrativismo, o cuidado da casa e dos filhos nunca é compartilhado com os homens. O trabalho não remunerado do cuidado do lar, realizado em tempo integral, muitas vezes impede que elas possam se organizar ou realizar outras atividades que gerem renda. Convidamos Quilvilene Figueiredo da Cunha, a presidenta da Associação de Mulheres Agroextrativistas do Médio Juruá (ASMAMJ), para conversar sobre como as atividades promovidas pela associação vem despertando nas mulheres o desejo de se organizarem em busca de igualdade. A ASMAMJ conta atualmente com 164 associadas de 32 comunidades diferentes, é parte integrante do Fórum do Território Médio Juruá, e cada vez mais conquista a participação feminina nos espaços de tomada de decisão.

INSTITUTO JURUÁ: Por favor, se apresente, fale um pouco sobre a ASMAMJ?

QUILVILENE: Meu nome é Quilvilene Figueiredo da Cunha, tenho 26 anos. A Associação das Mulheres foi fundada em 2004, e veio caminhando quase se arrastando. Até que em 2017, retomamos e agora caminhamos bem melhor!

INSTITUTO JURUÁ: Quais foram as mudanças pelas quais a ASMAMJ passou desde a sua criação até agora? 

QUILVILENE: A principal mudança é que as mulheres estão mais interessadas atualmente, estão mais envolvidas. E agora a gente percebe que as coisas que eram tidas como culturais, às vezes levando na mesmice uma coisa que não era legal, hoje querem mudança. 

INSTITUTO JURUÁ: A proposta da ASMAMJ mudou ao longo do tempo?

QUILVILENE: O Território do Médio Juruá tem uma história muito bonita de organização, da qual as mulheres participaram, só que nos bastidores. E essa participação nunca foi reconhecida. Toda vez que ouvimos falar do médio Juruá, as mulheres nunca aparecem, porque estavam nos bastidores fazendo comida para os maridos, estavam em casa com as crianças para que o marido participasse das organizações. E a ASMAMJ veio para dar visibilidade ao trabalho das mulheres.

INSTITUTO JURUÁ: E qual é a sua história de atuação antes de chegar na presidência da ASMAMJ?

QUILVILENE: Eu participei dos Jovens Protagonistas, o primeiro que chegou no Médio Juruá em 2012. Os Jovens Protagonistas atuam na formação e preparação dos jovens para serem lideranças. É um meio de dar continuidade ao processo de organização do Médio Juruá. 

INSTITUTO JURUÁ: Neste momento de pandemia, a ASMAMJ está conseguindo se reunir e manter a associação funcionando de alguma forma?

QUILVILENE: Estamos trabalhando online, a ASMAMJ participa de uma mentoria com a SITAWI que tem sido muito importante para o nosso fortalecimento. A gente se reúne, por exemplo quando precisamos de apoio para escrever algum projeto, contamos com o apoio da SITAWI. Eu me comunico com as outras mulheres que não tem acesso à internet pelo rádio e a gente se adaptou a trabalhar assim.

INSTITUTO JURUÁ: Você falou que as mulheres começaram a não aceitar mais algumas coisas que antes eram naturalizadas. Para você, qual a importância que a ASMAMJ tem na vida das mulheres hoje? Você acha que a atitude delas mudou? E como a ASMAMJ influenciou esse processo?

QUILVILENE: Em qualquer comunidade que você perguntasse quem era o chefe da família, a resposta seria o homem. A mulher trabalha junto, faz as atividades de roça junto, só que ela só é uma ajudante. Quem administra como vai ser gasta a renda da família, que foi produzida junto, é o homem porque ele é o chefe da família. Então, em todas as atividades que geram renda, nunca é a mulher que decide como vai gastar, e muitas vezes o dinheiro é dela. Agora as mulheres estão mais independentes. Começou reconhecendo isso, e agora, no manejo, as mulheres trabalham, ganham o próprio dinheiro separadamente e podem decidir como vão gastar. A mulher tem que obedecer ao pai e à mãe, ao pai principalmente, e quando casa ela tem que obedecer ao marido. Foi pregado isso no médio Juruá como uma cultura. E como é uma coisa que vem há muito tempo, a mudança não vai ser de uma vez. Então, nas reuniões temos depoimentos de mulheres que dizem “meu marido não queria que eu viesse, mas eu venho assim mesmo, to nem aí!” Então, já está acontecendo esse processo. É muito difícil para elas saírem de casa, porque são elas que cuidam da criança e da casa, por isso é sempre acham que é mais fácil para o homem sair. Uma associação de mulheres não significa que as mulheres estão contra os homens, assim como lá no passado as mulheres apoiavam os homens nesse processo de organização do médio Juruá, a gente quer que eles apoiem a gente agora. Nas nossas reuniões dá muita criança, porque as mães vão e precisam levar os filhos. E as crianças são muito bem-vindas, a gente leva as meninas da Associação Vagalume para cuidar das crianças durante a reunião. Mas existe essa diferença, porque nenhum homem vai para as reuniões levando filhos, mas as mulheres precisam levar, como se a responsabilidade de cuidar dos meninos fosse só da mulher.

INSTITUTO JURUÁ: No manejo do pirarucu as mulheres desempenham uma função super importante no beneficiamento e limpeza do peixe, o que gera renda diretamente para elas. Existem outras atividades pelas quais as mulheres são remuneradas?

QUILVILENE: Especificamente, a atividade em que o dinheiro é só da mulher, e o homem ganha separadamente, é só o manejo do pirarucu. Outra atividade é a coleta de sementes, que algumas fazem separadas do marido, mas sempre tem aquela questão, na maioria das vezes é o marido que decide como vai gastar. E as outras atividades que elas fazem, que são da família e desempenham o mesmo trabalho que o homem, são vistas como ajudantes.

INSTITUTO JURUÁ: Vocês já pensaram em atividades que poderiam gerar renda para as mulheres?

QUILVILENE: A associação está começando a produzir óleo de andiroba artesanal, que foi enviado ao laboratório para testar e se tudo der certo vamos começar a vender. A Associação da Nova Esperança (AANE) está iniciando um trabalho com saboaria artesanal. O óleo é uma coisa que elas dominam porque é feito artesanalmente há muito tempo, já a saboaria é uma coisa nova e está caminhando mais devagar.

INSTITUTO JURUÁ: A ASMAMJ está participando do Fórum do Território Médio Juruá. Como está sendo essa participação? As mulheres estão conseguindo participar mais ativamente das decisões tomadas no Fórum?

QUILVILENE: Estamos aos poucos, ainda não tão fortes como deveríamos estar. Mas já estamos participando mais do que antes, e agora temos mais capacitações no nosso planejamento.

INSTITUTO JURUÁ: Quais são os principais desafios que a ASMAMJ enfrenta para levar maior participação das mulheres nas suas atividades? 

QUILVILENE: Como elas não têm o costume de participar de reuniões, seria importante o apoio em casa, os maridos apoiarem elas a participar. Há muitos casos em que o marido impede a mulher de estar aqui, e há casos em que ele não impede, mas também não ajuda. É desse tipo de apoio que precisamos. E algumas que participam ainda ficam um pouco tímidas.

INSTITUTO JURUÁ: Quais são os seus sonhos para a ASMAMJ?QUILVILENE: Eu espero que a associação cresça e que a gente alcance o nosso objetivo de empoderar as mulheres para mudar essa situação. E também que a gente consiga uma geração de renda para que elas tenham autonomia financeira, porque o que torna as mulheres mais dependentes é essa questão financeira. O médio Juruá ficaria muito melhor, porque as mulheres também ajudaram a região a ser mais desenvolvida e ter mais direitos, então seria as mulheres junto com as pessoas que já lutam para tornar melhor algo que já está bom. E assim, seríamos mais livres.

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