Jovens que participaram de um projeto de formação de lideranças em 2010, articulam a continuidade da proposta, tendo em vista do futuro dos movimentos sociais
Por Maria Cunha
Para se tornarem os protagonistas de suas histórias, os jovens precisaram lutar por reconhecimento e confiança, tanto de suas comunidades, quanto das instituições e também de suas famílias. O maior obstáculo enfrentado por esses jovens seria ultrapassar a “barreira” do preconceito de que a juventude é apenas uma fase de “diversão” sem responsabilidades e sem compromisso. Denominados “Os Protagonistas do Médio Juruá”, a juventude do Médio Juruá conquistou um legado importante na região.
O anseio por novas oportunidades e pela valorização de seus potenciais, fez com que os jovens se mobilizassem em busca de oportunidades para além de esporte e lazer, que trouxesse um conhecimento diferenciado e que preparasse a juventude para lidar com o presente e com o futuro de suas comunidades e seus próprios destinos, e que, sobretudo, conseguisse incentivar a juventude local a olhar para o Médio Juruá como um todo, não só como uma região, mas como um caminho de transformação. Oportunidades que os fizessem permanecer em suas comunidades, com mais conhecimento e qualidade de vida e, principalmente, que conseguissem espaço dentro dos movimentos sociais da região.
Nessa busca, surgiu o projeto Jovens Protagonistas, que já era uma iniciativa existente no município de Tefé. Em 2010, a então gestora da Resex Médio Juruá, Rose Batista, trouxe a proposta para a juventude do Médio Juruá. Os jovens reagiram super bem à ideia e se jogaram na oportunidade de moldar um futuro diferente para a juventude na região. Assim, construiu-se uma proposta a ser trabalhada durante três anos em união com a gestão e os jovens das duas unidades de conservação da região: Reserva Extrativista do Médio Juruá (Resex Médio Juruá) e Reserva de Desenvolvimento Sustentável Uacari (RDS Uacari). Assim formou-se o projeto “Jovens Protagonistas do Médio Juruá”. Com dez módulos compostos por temas diferentes construídos pelos próprios jovens, temas como: história da criação das unidades de conservação da região, formação de lideranças, preconceito, DSTs, violência, educação ambiental, entre outros, vinculados a oficinas, como teatro, dança e arte.
“Eu sou muito grato pelo projeto ter cruzado meu caminho, eu sempre coloco os Jovens Protagonistas em primeiro lugar na minha vida, porque foi a partir dele que eu consegui reconhecimento, e mudei a minha vida para melhor. Me tornei uma pessoa totalmente o oposto do que eu era, e esse projeto, para mim, tenho sempre ele como base de tudo que eu conquistei e que sou hoje. Não tenho palavras para descrever o impacto positivo que o Jovens Protagonistas me trouxe”, relata Marcos Aurélio Carmo de Souza, jovem da Comunidade Bauana, RDS Uacari.
Esse processo de conhecimento e experiências novas foi essencial para construir um novo olhar e um novo pensamento para a juventude do Médio Juruá e principalmente conseguir engajar o jovem dentro dos movimentos sociais da região. E o início dessa “responsabilidade confiança” começou com a mobilização e organização dos encontros que eram feitas pelos próprios jovens, com apoio da gestão da unidade de conservação e parceiros.
A partir daí, os jovens foram criando confiança em si mesmos e tornando-se jovens mais capazes. Ozangela Cunha, jovem protagonista da Comunidade São Raimundo, Resex Médio Juruá, afirma que “Jovens Protagonistas foi uma escola de experiências e aprendizados, tornando os jovens grandes líderes de suas comunidades, referências e mobilizadores”.
O projeto não foi um processo de formação contínua, mas uma capacitação pontual, que se fez necessária na época para que o Médio Juruá contasse hoje com jovens empoderados e multiplicadores de conhecimento.
“O Jovens Protagonistas mudou a minha vida, me transformou em um jovem empoderado, perdi a timidez e ganhei espaço dentro da minha região. Consegui grandes oportunidades pós projeto e isso me ajudou crescer profissionalmente e pessoalmente. O projeto Jovens Protagonistas quebrou um tabu importante que existia na nossa região entre o que o jovem era e o que nos tornamos hoje, e essa interação entre comunidades que o projeto proporcionou foi fundamental para que a gente se conhecesse, e se compreendesse e assim, juntos moldar um futuro diferente como a gente fez através do projeto”, relata José da Cruz Lima de Lima da Comunidade Liberdade, Resex Médio Juruá.
Assim, o grupo de jovens que passou por esse processo de conhecimento e aprendizado, ampliou seus horizontes e hoje ajuda na mobilização, organização e gestão dentro de suas unidades de conservação e comunidades.
O futuro dos jovens Protagonistas do Médio Juruá – o que se pensa para os próximos dez anos?
Com o encerramento dos jovens protagonistas, que foi um projeto muito bom, mas que, infelizmente, durou pouco, Médio Juruá ficou sem um fluxo de incentivo para formar novos líderes e permanecer com os jovens engajados, levando em consideração a nova geração que já se encontra na região. As instituições que atuam na região do Médio Juruá se juntaram para pensar uma proposta de formação contínua para a região, e que seja um processo de formação no modelo do que foi o MEB (Movimento de Educação de Base), criado pela igreja católica em 1961. O MEB desenvolveu um trabalho social essencial na região do Médio Juruá e é baseado nesse sistema educacional que as instituições estão trabalhando em conjunto nessa proposta a ser executada na região.
‘’Esse novo projeto de formação, a gente já pensa com um olhar diferente do que foi o Jovens Protagonistas, a gente pensa em um projeto que além de ser em um formato de formação e não apenas capacitação que seja contínuo, ele é um projeto para dez anos mas que ao terminar os dez anos essa turma formada possa formar já outras turmas, a gente sabe que jovens têm a todo tempo e a ideia é sempre ir fazendo algum trabalho com esses jovens, para que não seja necessário voltar ao início. O Jovens Protagonistas fez um trabalho incrível com os jovens, esses jovens estão dando sua contribuição hoje, e agora sentimos a necessidade de fazer um novo trabalho começando do zero com outra juventude”, explica Raimundo Cunha, presidente da AMECSARA (Associação dos Moradores Extrativistas da Comunidade São Raimundo).
Esse novo projeto, em processo de construção, que ainda não tem uma definição de nome, prevê uma forma contínua de trabalho, não só com a juventude, mas com lideranças comunitárias, representantes de instituições, veteranos, professores das comunidades, adolescentes e crianças também. A AMECSARA, assim como outras instituições, pretende com esse projeto uma evolução social positiva para o Médio Juruá , em três a cinco anos, já formar pessoas de dentro das comunidades totalmente aptas a contribuir com o Médio Juruá, não apenas como jovem mobilizador, líder comunitário, ou um jovem que possa gerenciar associações ou grupos organizados, mas que possa contribuir além disso, de forma mais ampla, tornando-se formadores de opiniões e jovens que possam ser contratados para realizar trabalhos dentro ou fora das instituições, formar pessoas capazes de preencher esse espaço atualmente ocupado por pessoas contratadas de fora da região. E pensando na continuidade deste trabalho, que esses jovens formados possam atuar na capacitação de outras turmas de jovens.
O projeto prevê estágios dentro das associações, capacitando-os mais amplamente, para se ter jovens preparados para a gestão futura dessas instituições. “A gente vê esse projeto como uma preparação para capacitar jovens para contribuir de fato com o Médio Juruá em todos aspectos e não apenas no nível social”, complementa Raimundo Cunha.
O entusiasmo e a expectativa para essa nova iniciativa já é tamanha, os consultores que estão trabalhando a proposta do projeto, junto a equipe proponente, se deslocaram até a comunidade São Raimundo e, entre os dias 8 a 9 de dezembro de 2022, os jovens da comunidade São Raimundo, representantes de outras comunidades, professores, lideranças e representantes de instituições parcerias, elaboraram os temas que podem compor a metodologia do curso, foi um momento de reflexão, troca de experiência e muita expectativa para o que está por vir. O encontro teve o apoio do Instituto Juruá, ICMBio, AMECSARA e Comunidade São Raimundo.
“A minha expectativa com esse novo projeto para Médio Juruá é que eu possa me tornar um futuro gestor da minha unidade, sem ter que ir embora da minha região para aprender sobre ser gestor”, é o que espera Francisco Lucas, jovem da comunidade São Raimundo.
O Médio Juruá já é uma referência de sustentabilidade e organização social, e está trabalhando o presente para um futuro importante, não só para a região, mas acreditando que o futuro do Amazonas é trabalhar primeiramente as pessoas que vivem nela hoje, para assim, se ter uma Amazônia amanhã, com pessoas preparadas para manter a sobrevivência dela.