O Instituto Juruá, em parceria com diversas organizações do Coletivo do Pirarucu, celebra a conquista do selo Fair Trade USA pela ASPROC – uma iniciativa promovida pelo projeto de exportação “The Fish of Change”.
Por: Nathália Messina
A Amazônia, lar de uma das maiores biodiversidades do planeta, está testemunhando uma mudança significativa no comércio internacional de pescados. Em 2024, o pirarucu de manejo de comunidades indígenas e ribeirinhas amazonenses passará a ampliar seus mercados para o exterior, com a perspectiva de remunerar melhor os manejadores e as manejadoras envolvidas.
Fruto da união de várias organizações parceiras, o projeto de exportação do pirarucu, The Fish of Change, conta com a parceria estratégica do Serviço Florestal dos Estados Unidos – USFS, que apoia para fortalecer também o caminho da exportação. O projeto é realizado colaborativamente por organizações que integram o Coletivo Pirarucu, como a Associação de Produtores Rurais de Carauari – ASPROC, responsável pela coordenação comercial das marcas coletivas Gosto da Amazônia e Taste of Amazon; o Instituto Juruá enquanto gestor do projeto; o Memorial Chico Mendes; o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá – IDSM; a Operação Amazônia Nativa – OPAN e o Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro – SindRio, que promove as vendas em escala nacional. Para a distribuição e inserção do pescado no mercado internacional, contamos com a colaboração do Grupo Blueyou.
“Agora, com o selo Fairtrade, damos um passo importante em valorizar a floresta em pé, os rios saudáveis, com visibilidade e remuneração mais justa para as comunidades por meio de produtos que tornam isto viável. Esse projeto é um grande exemplo de impacto do trabalho realizado com diversas parcerias, entre organizações sociais, governo, associações de base comunitária e o setor privado”, afirma Jayleen Vera, gerente do programa do USFS no Brasil.
Para a certificação de comércio justo, a equipe do projeto optou por trabalhar com a Fair Trade USA (FTUSA), uma ONG fundada em 1998 e a principal certificadora independente de produtos do comércio justo nos EUA. Com foco em mercados agrícolas, de pescados e de manufaturas, a FTUSA busca promover o consumo consciente e o comércio mutuamente benéfico para todas as partes envolvidas.
O processo de certificação, centrado na Norma de Pesca de Captura (em inglês, Capture Fisheries Standard – CFS), abrange nove módulos que vão desde o empoderamento dos manejadores até questões trabalhistas, gestão de recursos naturais, transparência e a promoção de um sistema interno para aperfeiçoamento da gestão do titular do certificado, a ASPROC.
As auditorias são feitas anualmente por um órgão independente autorizado pela FTUSA, denominado “organismo de conformidade”, que verifica o cumprimento e a conformidade com a Norma CFS. Em novembro de 2023, a ASPROC passou por sua primeira auditoria para o comércio justo do pirarucu, apoiada pelo Instituto Juruá e realizada pela empresa SCS Global Services, na comunidade Lago Serrado (área do acordo de pesca de Carauari).
Com apenas 20 não conformidades de Critérios Críticos e 3 de Critérios de Progresso, dentro de um quadro geral de mais de 200 critérios, a ASPROC afirmou seu compromisso com a Fair Trade USA e está trabalhando para ajustar as não conformidades, basicamente de base documentais.
Agora, com o certificado concedido e válido por 3,5 anos, a ASPROC pode comercializar seus produtos com o selo de comércio justo Fair Trade Certified (foto/ ilustração). Segundo o coordenador de produção da ASPROC, Eude Santiago, a certificação é significativa para a associação, pois demonstra o protagonismo comunitário. “Ela reflete a nossa escolha e dos nossos parceiros na condução responsável e sustentável de realizar os negócios de base comunitária. Esse modelo vai permitir demonstrar mais transparência, além de levar confiança para os nossos consumidores”, afirmou o coordenador.
Foto: Rodrigo Azevedo ( Gosto da Amazônia). Foto sobreposta à logomarca Fair Trade Certified.
O processo de certificação é contínuo, e a associação encontra-se na fase entre o Ano Zero e o Ano 1, implementando novas normas e atendendo a critérios evolutivos da CFS que aumentam e qualificam os trabalhos ano após ano.
Em entrevista às assessoras da Equipe de Serviços ao Produtores da Fair Trade USA, Milena Tomas (FTUSA Brasil) e Pilar Herrón (FTUSA Colômbia), perguntamos quais serão os principais desafios da ASPROC para manutenção e desenvolvimento do programa de certificação, no que elas respondem:
“Acreditamos que, entre os principais desafios (…) estão:
a) Consolidar a estrutura organizacional das comunidades que já possuem para garantir decisões participativas em relação ao uso do Prêmio do Comércio Justo – dinheiro que receberão das vendas do Pirarucu certificado pela FTUSA.
b) Comprometer-se com a melhoria contínua de suas práticas de manuseio e processamento de produtos pesqueiros, a fim de atender aos altos padrões de qualidade exigidos pelos consumidores de produtos certificados em todo o mundo.
c) Manter ativa participação na coleta de dados de captura de peixes e na implementação de medidas de gestão (por exemplo, artes de pesca autorizadas, registro de acidentes), a fim de manter o estado saudável da população de pirarucu e garantir a saúde e segurança dos pescadores.”
A conquista da ASPROC é notável para as comunidades da Amazônia, tornando-se a primeira organização a certificar o pirarucu de manejo, incentivando assim práticas sustentáveis e éticas no contexto da Amazônia. Também é um marco crucial para a pesca de água doce no mundo, sendo um pioneiro entre os produtos de pesca e aquicultura da Fair Trade USA. É um marco também em nível nacional, tendo em vista que o pirarucu manejado foi o primeiro produto de pesca certificado pela FTUSA, conforme relatam as assessoras Milena e Pilar:
“Para a Fair Trade USA, é muito significativo que nossa Norma de Pesca de Captura ajude as comunidades indígenas e ribeirinhas da Amazônia a receberem não apenas o reconhecimento do mercado, mas também incentivos econômicos que ajudarão os pescadores, suas famílias e comunidades (…). Além disso, esta é a primeira certificação a ser obtida no Brasil no âmbito do programa de pesca FTUSA, o que nos deixa entusiasmados em pensar que, como pioneiros, a ASPROC poderá incentivar outros pescadores brasileiros a aderir ao movimento do Comércio Justo. É também uma grande oportunidade para que nossos parceiros comerciais e consumidores que valorizam o Comércio Justo possam contribuir para a conservação da Amazônia e o bem-estar socioeconômico de seus habitantes ancestrais comprando pirarucu certificado pela FTUSA.”, afirmaram as assessoras.
O selo Fair Trade Certified é mais uma iniciativa que atesta todo o valor social e ecológico do manejo do pirarucu. Ao escolher produtos certificados pelo Comércio Justo, os consumidores tornam-se agentes de mudança, valorizando o trabalho que manejadores e manejadoras realizam de conservação da Amazônia, além de incentivar o comércio pautado em princípios éticos.