A formação capacitou 24 mulheres que já estão aptas a contribuir nas equipes de contagem em suas comunidades no Médio Juruá.
Por Simelvia Vida e Clara Machado
Nos dias 16 a 18 de setembro de 2023 foi realizada a terceira edição do curso, exclusivo para mulheres, sobre metodologia de contagem como ferramenta de monitoramento de pirarucu (Arapaima gigas). A formação aconteceu na comunidade do Lago Serrado, localizada na área de acordo de pesca do Médio Juruá, em Carauari (AM).
Historicamente, a capacitação para a etapa da contagem de pirarucu, essencial na atividade do manejo sustentável, sempre foi um ambiente dominado por homens, com pouca ou nenhuma participação feminina. Nesse contexto, o curso voltado para mulheres, que já está em sua terceira edição no médio Juruá, busca reparar esta desigualdade.
A participação feminina no manejo do pirarucu gera uma renda inédita para as mulheres na cadeia produtiva da pesca, possibilitando maior autonomia, autoestima e reduzindo as desigualdades de gênero historicamente construídas.
As mulheres sempre participaram de etapas do manejo no período de pesca, como na evisceração do pescado e na preparação de alimentos para a equipe. Porém outras etapas eram vistas como um trabalho “masculino”. O curso as torna também aptas a participar da etapa anterior à pesca, que é a contagem de pirarucu nos ambientes. Etapa na qual o Ibama usa para determinar a cota de peixes a serem pescados no ano posterior.
Vinte e cinco mulheres participaram desta formação, cujo objetivo é fortalecer o manejo comunitário na região e promover um espaço onde elas se sintam à vontade para aprender a metodologia e contribuir com as equipes de contagem de suas comunidades.
“Pra mim foi uma satisfação muito grande, mais uma oportunidade para nós mulheres que vivem no meio do machismo. Os homens são de achar que a gente não é capaz de fazer o que eles fazem. Pra mim esse curso foi muito importante”, relata Maria Silvilene nova contadora de pirarucu e moradora da comunidade São João.
A abertura do curso foi feita com uma palestra sobre saúde da mulher oferecida em parceria com a Secretaria de Saúde do Município de Carauari em articulação com a Repartição de Benefícios do Médio Juruá (RBMJ) e Associação dos Moradores Agroextrativistas do Baixo Médio Juruá (AMAB). Assim, as participantes puderam tirar dúvidas sobre saúde feminina e logo após a palestra, foi oferecido atendimento pela Enfermeira Keisy Marques.
O curso contou com aulas teóricas com simulação das diferentes situações que podem encontrar nos ambientes e a melhor forma de se distribuírem ao redor do corpo d’água para garantir a acurácia na contagem dos peixes. Além disso, é abordada a biologia da espécie, que é fundamental para possibilitar a contagem dos indivíduos no período em que os ambientes estão sem conexões com outros corpos d’água, além de entender como a biologia explica a duração da contagem em 20 minutos utilizada no método.
A aula prática também faz parte do curso, quando as alunas se deslocam até o ambiente de contagem para, além de aprenderem a como diferenciar os juvenis (pirarucus de 100 a 149 cm) dos adultos (pirarucus a partir de 150 cm), também aprenderem como de dividir de acordo com o número de contadoras em suas equipes conforme a disposição e tamanho do ambiente.
“No início eu achei que eu não seria capaz, porque antes só quem fazia isso eram os homens, mas quando eu comecei a participar das palestras e vi que não era uma coisa de sete cabeças, eu comecei a gostar… e quando fiz na prática, eu achei super gostoso estar ali fazendo aquilo que eu acharia que eu nunca estaria ali para fazer”, relata Ana Lúcia participante do curso que agora é a mais nova contadora de pirarucu da sua comunidade, Lago Serrado.
(pirarucu). Foto: Raimunda Antônia Gomes de Souza.
Após as aulas teórica e prática, as alunas passam por uma avaliação, na qual são testadas as habilidades em contagens comparando a sua precisão com a do contador certificado. Caso os seus cálculos estejam dentro da margem de erro de até 30% para subestimar ou superestimar a população de pirarucus, a aluna é aprovada e se torna uma nova contadora, plenamente capaz de participar apoiando nas próximas contagens de pirarucu em sua comunidade.
O contador certificado Edimar Souza é Técnico em Produção Sustentável do Instituto Juruá e participou de todas as edições do curso de contagem oferecidas exclusivamente para mulheres até hoje. “Com essa terceira edição aplicada, já temos a participação de mais de 100 mulheres do Médio Juruá. Esses cursos estão dando empoderamento para as mulheres realizarem os trabalhos de igual para igual com seus esposos e demais comunitários. As mulheres estão aprimorando e desenvolvendo seus conhecimentos na cadeia produtiva das suas comunidades. O curso também faz as pessoas de comunidades diferentes se conhecerem, e as mulheres começam a interagir de maneira muito solidária, com trocas de experiências e amizades que levam para a vida”.
Foto: Raimunda Antônia Gomes de Souza.
Dentre as 25 participantes, haviam moradoras de nove comunidades da área do acordo de pesca do Médio Juruá, além de representantes das seguintes organizações: Associação dos Moradores Agroextrativistas do Baixo Médio Juruá (AMAB), Associação de Mulheres Agroextrativistas do Médio Juruá (ASMAMJ), Colônia de Pescadores de Carauari (COLPESCA Z-25) e Secretaria de Meio Ambiente de Carauari.
Rilzineide do Nascimento, nova contadora da comunidade São João, não vê a hora de participar da etapa da contagem. “Eu fico muito orgulhosa que daqui pra frente eu já posso ajudar os nossos companheiros da comunidade, tendo essa experiência que antes a gente não tinha. Eu acho isso incrível”, acrescenta Rilzineide.
Foto: Raison da comunidade concórdia
O curso foi finalizado com a entrega dos certificados de participação neste treinamento, com as respectivas notas de aproveitamento indicando as contadoras que já estão aptas a apoiar as equipes de contagem nos próximos anos e aquelas que devem treinar mais para se submeterem a um novo treinamento e avaliação em 2024.
O fechamento do curso é um momento importante para as mulheres, que se sentem empoderadas e felizes em poder contribuir também nesta etapa do manejo do pirarucu e dividem esta vitória com seus familiares, além de levar o conhecimento adquirido as suas comunidades e organizações, superando mais um desafio imposto pelas desigualdades históricas de gênero presentes na sociedade.
“Para todas as outras mulheres, eu gostaria de dizer que não é porque você é mulher que você só tem o direito de ficar dentro de casa para fazer comida, lavar roupa e cuidar dos filhos. Você tem o direito de ter liberdade, de fazer o que você gosta e achar melhor”, finaliza Ana Lucia.
O curso é uma realização do Instituto Juruá em parceria com a Associação dos Moradores Agroextrativistas do Baixo Médio Juruá.